AGENDA CULTURAL

10.7.11

Ficção entre escombros

Hélio Consolaro
Ednei Silvestre, Marcelo Ferroni, Teixeira Coelho
 Domingo, já estamos arrumando as malas. Não dá para participar de tudo, a Flip é grande.  Daqui a algumas horas, parto para uma outra festa, a Expô de Araçatuba, onde temos o Barracão Cultural e o Barracão de Artesanato  para curtir.

Embora o  meu gado sejam os livros, já comprei até um chapéu  aqui em Paraty para me fantasiar de peão, pecuarista ou qualquer outro assemelhado. Afinal, a pecuária faz  parte da cultura  de  nosso município.

Ontem, à tarde assisti a uma  conferência,  no telão. Ednei Silvestre,  Marcelo Ferroni (só um livro publicado), Teixeira Coelho – o  mais interessante  da mesa. Ele conduziu o debate. “Três autores brasileiros cujas obras retratam momentos de rupturas pessoais e sociais se encontram para discutir a felicidade. Mas, como na boa literatura, o imponderável desvia o debate de seu curso e a conversa flerta com a demolição do conceito de verdade.”

Na minha avaliação, das mesas que eu participei, foi  a mais fraca. Na Flip é marketing puro, quem manda é o  mercado editorial. Se o escritor está com título novo na praça, é convidado.

O escritor é bom, mas não tem nada novo na praça, não é escalado para as mesas. Não sei se podia  ser diferente, mas é  assim que ocorre na organização do evento.

No site da Flip
Três autores brasileiros cujas obras retratam momentos de rupturas pessoais e sociais se encontram para discutir a felicidade. Mas, como na boa literatura, o imponderável desvia o debate de seu curso e a conversa flerta com a demolição do conceito de verdade. Teixeira Coelho, professor de política cultural na USP e curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo, foi quem interpôs a cunha ao comentar uma citação de outro participante, o jornalista Edney Silvestre, segundo a qual a literatura pode contar a história melhor que a História. “A História é literatura, a verdade é relativa e até como ensaísta eu não procuro a verdade, mas a versão que seja coerente consigo mesma. O melhor é colocar a verdade em discussão”, despejou.

Os dois escritores, assim como o terceiro convidado, o jornalista Marcelo Ferroni, haviam acabado de ler trechos de seus livros, a convite do mediador da Mesa 12, Claudiney Ferreira, jornalista e diretor do Instituto Itaú Cultural. Edney Silvestre apresentou um trecho de A felicidade é fácil, seu segundo romance, que se desenrola em um único dia de agosto de 1990, seis meses após o governo haver confiscado as poupanças dos brasileiros. Ferroni ofereceu um aperitivo de Método prático da guerrilha, no qual faz uma paródia da biografia do comandante guerrilheiro Ernesto Che Guevara. O livro de Teixeira Coelho se intitula O homem que vive – uma jornada sentimental, no qual o personagem retorna à sua cidade, São Paulo, após longa ausência, e a encontra estranhamente transformada e coberta de neve.

No livro de Silvestre, a fratura social é provocada pela supressão violenta dos ativos financeiros de milhões dos cidadãos, muitos dos quais ficaram de um dia para o outro com a vida desorganizada e sem condições de sobrevivência. “É desse período o início da diáspora brasileira, quando muitas pessoas foram obrigadas a emigrar em busca de melhores condições de vida”, lembra o repórter. O título, retirado da última reflexão de um personagem destinado a morrer em seguida, induz o leitor a um engano: a tese do autor é que a felicidade não é fácil e, quando ocorre, só se manifesta de maneira intermitente. Para Silvestre, é preciso escrever sobre os momentos de ruptura para que os fatos não sejam esquecidos.

Teixeira Coelho, em cujo romance a fratura se dá de maneira mais sutil, citou Borges para dizer que a felicidade envolve a questão da memória e que esquecer o ruim também é memória. Em seu enredo, Buel, o personagem central, faz uma jornada sentimental em busca de um anjo perdido, mas a realidade vai mudando em pequenas fraturas, expandindo os limites do aceitável. A única coisa que não muda é a disposição de Buel de reencontrar seu anjo. O autor contou que escreveu o romance para esquecer seu livro anterior, A história natural da ditadura. “Queria experimentar a possibilidade de escrever sobre a felicidade com dignidade”, observou.

No livro de Marcelo Ferroni, que é também editor da Alfaguara, selo de literatura da Editora Objetiva, a ruptura se instala no momento em que sua versão de Che Guevara se dá conta de que os objetivos estabelecidos para a conquista do poder por meio da guerrilha estão se revelando inalcançáveis. Ferroni confessa que não conseguiria identificar no texto final o que é resultado de suas pesquisas e o que é pura ficção. Do Guevara original resta “um indivíduo autoritário, mas capaz de atos de heroísmo”. De sua tentativa de recriar a história, admite, só restaram escombros.

  

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