AGENDA CULTURAL

10.9.11

Ócio e negócio


Hélio Consolaro*

Você é dono de seu tempo, caro leitor? Ou vende parte dele? Então, vive 24 horas para os outros e nenhum minutinho para si.

Há o trabalhador compulsivo, quando não tem nada para fazer, fica de consciência pesada, o tal de “workaholic”. Enquanto outros vieram ao mundo a passeio, vivem sabiamente, como chupim, à custa alheia. Você, caro leitor, não tem um parente assim? Se não tiver, então você é o folgado da família, mas não fique preocupado, porque viver sem fazer nada é uma arte, há quem não suporte o ócio em sua própria vida.

Voltando ao papo sério: o mercado de trabalho compra o nosso tempo. Quando a pessoa vai montar seu próprio negócio, o tempo acaba de vez. Há até quem diga que mente desocupada, própria de gente que não trabalha, é morada fácil do diabo.

Paul Valéry, poeta francês, disse: “é preciso ser distraído para viver, afastar-se do mundo sem se perder dele”. Com essa frase, ele foi acusado de preguiçoso. “Quem trabalha não come!” Quantos pais já falaram isso aos filhos...

Dizem que a preguiça é a mola propulsora da tecnologia. O ser humano inventou a roda para trabalhar menos, por exemplo. Mas as máquinas estão nos substituindo e estamos trabalhando cada vez mais, parece que estamos nos submetendo ao ritmo delas. Queremos computadores cada vez mais rápidos, não suportamos os lerdos no trânsito e em nossas vidas.

A correria (inventamos esse nome para nominar a nossa loucura) é tanta que não temos tempo para ler, para auscultar nosso interior. Aquele dia reservado ao Senhor, como pede sabiamente as religiões, não é guardado. Será um subversivo aquele que disser: “Preciso tanto de nada fazer que não me resta tempo para trabalhar”.

O livro “Momo e o Senhor do Tempo”, de Michael End, literatura infanto-juvenil, faz uma alegoria da questão do tempo. A narrativa conta a luta de uma menina, Momo, para tomar de volta o tempo roubado das pessoas pelos homens cinzentos (tempo é dinheiro – frase bem capitalista). Os homens cinzentos se alimentam exatamente do tempo poupado por cada indivíduo. Por isso, precisam convencê-los de que não têm tempo a perder.

Mas cuidado, caro leitor, há gente fazendo do ócio um negócio, querendo ocupar o seu tempo livre, ganhar uma grana com ele. Os homens cinzentos são terríveis.

Numa certa época, a humanidade esteve numa encruzilhada. Uma parte ficou com o ócio, outra, com o negócio. Os índios fazem parte do primeiro grupo: o negócio é viver a vida. A outra parte, de que fazemos parte, ficou com o negócio. Exterminamos os vagabundos, assim chamamos os índios. E a vida se tornou cinzenta.

Façamos como Michel Montaigne (1533-1592) que refugiou-se em sua casa, não quis saber mais de cargos políticos, vida social, trabalhar para o sistema, foi habitar o seu próprio eu. Progresso é coisa de homens de negócio, cinzentos.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Atualmente é secretário de Cultura de Araçatuba. 
  

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