Walter Miranda, sua esposa Jane e neta Larissa, moradores de Araraquara, estiveram almoçando conosco, na casa do Consa. Comemos rabada com polenta. Lembrei-me desta crônica. Ele gosta de política e de igreja evangélica. Militante do PSTU e da Igreja Batista. Combina? No caleidoscópio da vida, fazemos as cores se harmonizarem.
Jane e Walter |
Hélio Consolaro*
Lá
pelas bandas de Penápolis, nos idos de 1969, quando havia um espião em cada
esquina, os estudantes andavam cabisbaixos e falando de lado, havia um bando de
maritacas que fazia faculdade, ou melhor, rodeava as árvores do educandário,
incomodava muito. Aves novas, recém-saídas dos ninhos, gargantas fortes.
Maritacas
são bichos faladores, voam alto, e calá-las é tarefa impossível. Por causa da
ditadura do predador, esse bando tinha feições esquisitas porque não podia
falar, então cada maritaca tomava feição diferente para não ser atacada: de
coruja, de águia, de gavião. Cada uma usava sua máscara para enfrentar o
predador, que não lhes dava liberdade de maritacar.
Frequentava
o grupo, um estranho no bando, só porque era amigo de uma maritaca do grupo, um
tiziu.
Tiziu
é passarinho miúdo, bem pretinho, chegava a ser azulado, que pula nos arames
das cercas, dizendo: tiziu! Ele gostava muito de contar vintém.
Ele
achava as maritacas muito desconfiadas e presunçosas, vendo fantasmas em tudo,
pois ele cantava seu canto inofensivo à vontade, sem censura, nada lhe
incomodava. O seu predador era outro, bem diferente do predador das maritacas.
Não
havia ditadura que atrapalhasse seu cantar: tiziu! tiziu!
Na
verdade, ele invejava sobremaneira o tamarelar das maritacas que achavam o
canto dele muito simples, cantava o óbvio, aquilo que acontecia entre os
amantes.
Até
tinha um certo complexo de inferioridade. Sempre dizia:
-
Um dia eu chego lá, me tornarei uma maritaca desse bando.
O
tempo passou. As maritacas foram atacadas pelo predador e se separaram.
O tiziu
ficou sem suas amigas, perdido pelo mundo. Até que encontrou outro bando de
maritacas, e começou a taramelar com elas. Foi uma novidade, pois tiziu não é
papagaio, imitador de vozes. Como?
Ele
aprendeu tão bem o grazinar que se tornou mais agudo do que elas, seu discurso
doía aos ouvidos.
Certo
dia, depois de muito sacrifício, por telefonemas e e-mails, o tiziu reuniu suas
antigas amigas maritacas numa festa. Elas nem charlavam mais. Mudas, gordinhas,
viviam contando vintém.
Tiziu foi mostrar às suas
antigas amigas como ele taramelava bonito, com sons radicais, agudos, de doer o
ouvido. Altivo, ele charlava sem dar seus tradicionais pulinhos, como se
maritaca fosse. Sozinho, fazia barulho por um bando. E elas não o elogiaram,
ficaram indiferentes diante de seu maritacar.
Talvez saudosas ou enraivecidas,
pois seu canto era uma cobrança, uma consciência abandonada pelo caminho. Para
sua surpresa, as maritacas começaram, em coro, a dar pulinhos nos poleiros e a
cantar, como ele fazia antigamente:
-
Tiziu! Tiziu!
MORAL: Avançar, às vezes, significa apenas
roubar a posição do outro.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Atualmente é secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP
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