AGENDA CULTURAL

8.1.12

As maritacas e o tiziu


Walter Miranda, sua esposa Jane e neta Larissa, moradores de Araraquara, estiveram almoçando conosco, na casa do Consa. Comemos rabada com polenta. Lembrei-me desta crônica. Ele gosta de política e de igreja evangélica. Militante do PSTU e da Igreja Batista. Combina? No caleidoscópio da vida, fazemos as cores se harmonizarem.
Jane e Walter
Hélio Consolaro*

Lá pelas bandas de Penápolis, nos idos de 1969, quando havia um espião em cada esquina, os estudantes andavam cabisbaixos e falando de lado, havia um bando de maritacas que fazia faculdade, ou melhor, rodeava as árvores do educandário, incomodava muito. Aves novas, recém-saídas dos ninhos, gargantas fortes.

Maritacas são bichos faladores, voam alto, e calá-las é tarefa impossível. Por causa da ditadura do predador, esse bando tinha feições esquisitas porque não podia falar, então cada maritaca tomava feição diferente para não ser atacada: de coruja, de águia, de gavião. Cada uma usava sua máscara para enfrentar o predador, que não lhes dava liberdade de maritacar.
Frequentava o grupo, um estranho no bando, só porque era amigo de uma maritaca do grupo, um tiziu.

Tiziu é passarinho miúdo, bem pretinho, chegava a ser azulado, que pula nos arames das cercas, dizendo: tiziu! Ele gostava muito de contar vintém.
Ele achava as maritacas muito desconfiadas e presunçosas, vendo fantasmas em tudo, pois ele cantava seu canto inofensivo à vontade, sem censura, nada lhe incomodava. O seu predador era outro, bem diferente do predador das maritacas.

Não havia ditadura que atrapalhasse seu cantar: tiziu! tiziu!

Na verdade, ele invejava sobremaneira o tamarelar das maritacas que achavam o canto dele muito simples, cantava o óbvio, aquilo que acontecia entre os amantes.        

Até tinha um certo complexo de inferioridade. Sempre dizia:

- Um dia eu chego lá, me tornarei uma maritaca desse bando.

O tempo passou. As maritacas foram atacadas pelo predador e se separaram. 

O tiziu ficou sem suas amigas, perdido pelo mundo. Até que encontrou outro bando de maritacas, e começou a taramelar com elas. Foi uma novidade, pois tiziu não é papagaio, imitador de vozes. Como?

Ele aprendeu tão bem o grazinar que se tornou mais agudo do que elas, seu discurso doía aos ouvidos.

Certo dia, depois de muito sacrifício, por telefonemas e e-mails, o tiziu reuniu suas antigas amigas maritacas numa festa. Elas nem charlavam mais. Mudas, gordinhas, viviam contando vintém.

Tiziu foi mostrar às suas antigas amigas como ele taramelava bonito, com sons radicais, agudos, de doer o ouvido. Altivo, ele charlava sem dar seus tradicionais pulinhos, como se maritaca fosse. Sozinho, fazia barulho por um bando. E elas não o elogiaram, ficaram indiferentes diante de seu maritacar. 

Talvez saudosas ou enraivecidas, pois seu canto era uma cobrança, uma consciência abandonada pelo caminho. Para sua surpresa, as maritacas começaram, em coro, a dar pulinhos nos poleiros e a cantar, como ele fazia antigamente:

- Tiziu! Tiziu! 

MORAL: Avançar, às vezes, significa apenas roubar a posição do outro. 

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Atualmente é secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP

Nenhum comentário: