AGENDA CULTURAL

2.3.12

Ah, esses Guimarães

Ao longo de 200 anos, os herdeiros da família mineira transmitiram de pais para filhos o dom de contar histórias, colocando seus nomes entre os mais importantes da literatura brasileira

POR IVAN ANGELO 
Revista da Cultura - Livraria Cultura

Raras, mais que isso, raríssimas famílias brasileiras podem se orgulhar de ter uma penca de escritores pendurada num único tronco, como este que brotou na região em que se explorava o ouro em Minas Gerais. Falo dos Guimarães, às vezes Guimaraens. Contando, por alto, foram nove escritores.

Quando o primeiro desses Guimarães nasceu em Sabará, em 1777, batizado João Joaquim da Silva Guimarães, o bandeirante Borba Gato ainda era lembrado na cidade por velhos contemporâneos. O rapaz, pobre, estudou latim, por gosto ou por influência (de um pai? Ah, não vamos recuar mais nesta busca, comecemos aqui...), mudou-se para Vila Rica, terá visto o Aleijadinho, terá ouvido músicos barrocos nas igrejas, terá sabido daquele Tiradentes revoltoso, terá visto pendurada na praça a cabeça do esquartejado (tinha 15 anos), terá sabido daqueles poetas desterrados, suicidados... João Joaquim progrediu, à força de estudos. Ei-lo deputado da Província na Assembleia Constituinte do 1º Império, de 1826 a 1829, e, também, poeta e escritor.

Foi pai de Bernardo, Joaquim Caetano, Manuel Joaquim e duas moças. O primeiro veio a ser o famoso Bernardo Guimarães, poeta e romancista, iniciador do regionalismo romântico brasileiro. Manuel, padre e poeta, morreu no Rio de Janeiro. Joaquim tornou-se jurista, membro do Supremo Tribunal de Justiça (no Império) e do Supremo Tribunal Federal (na República). Bernardo não subiu muito na carreira jurídica. Nomeado juiz em Catalão, Goiás, ao ver a cadeia superlotada e os presos doentes, libertou-os para se tratar, mas eles não voltaram. Foi destituído, processado, reconduzido e, mais tarde, depois de peripécias, voltou para Vila Rica.

Aí escreveu, entre os seus nove livros de ficção, o imediatamente famoso A escrava Isaura, publicado em 1875, até hoje um dos mais populares romances brasileiros. Na forma de telenovela e filme, sua história foi vista por cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo. Desde moço estudante de Direito em São Paulo, escreveu também muita poesia séria (vários livros), obscena (Elixir do pajé é o poema mais famoso) e do estilo chamado bestialógico, poemas de rigor métrico e sonoro, mas sem sentido lógico. Ainda teve tempo para fazer e criar oito filhos, dois dos quais, Horácio e Afonso da Silva Guimarães, tornaram-se poetas. Menores, mas poetas. Horácio foi um dos fundadores da revista Minas Artísticas, a primeira das revistas literárias de Belo Horizonte, de 1901. Afonso foi também contista elogiado, de linha naturalista, autor do forte Os borrachos.

Outro Afonso, primo desses, filho de uma sobrinha de Bernardo, latinizou o próprio nome e tornou-se Alphonsus de Guimaraens, um dos mais celebrados poetas simbolistas brasileiros. Apesar da tristeza e do sentimento de solidão presentes em sua produção poética, tristeza que se diz nascida do amor pela prima Constança – filha de Bernardo, morta tuberculosa aos 17 anos –, casou-se e teve 14 filhos. O irmão do pobre Alphonsus, Arcanjo Augusto, também adotou um nome artístico, Archangelus Guimaraens, e poetou na linha simbolista. Dos 14 filhos de Alphonsus, dois tornaram-se escritores, e famosos: Alphonsus de Guimaraens Filho e João Alphonsus.

João, contista e romancista, foi daqueles primeiros modernistas de Minas, da turma de Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, Cyro dos Anjos, Pedro Nava, que trabalhavam no jornal Diário de Minas e fundaram A Revista. É autor de um conto que frequenta antologias desde sempre, publicado no livro de mesmo nome, Galinha cega. Seu romance Totônio Pacheco é listado entre os melhores do modernismo. O irmão, Alphonsus Filho, poeta da chamada terceira fase do modernismo, ganhou, em 1985, o Prêmio Jabuti de Poesia, com o livro.

Em 200 anos de história, esses Guimarães/Guimaraens, de graus variados de parentesco – bisavô, avô, pai, filhos, tios, sobrinhos, netos, sobrinhos-netos, bisnetos, irmãos, primos – escreveram poemas, contos, romances, crônicas e artigos. Alguns listados entre os mais importantes da literatura brasileira. Sem contar os que foram eruditos e jornalistas destacados, vários deles poetas e ficcionistas inéditos. Curiosamente, não há mulheres nesse florilégio. ©

Um comentário:

Unknown disse...

Eu amo um Guimarães...que tal o senhor escrever um texto sobre Grande Sertão - veredas???
Eu amaria ler. rs
(O texto sobre o perfume o senhor está me devendo...ah nemmmmmm!!!rsrs).