Hélio
Consolaro*
Às
vezes, chego a uma conclusão simplória que cada pessoa já nasce pronta. Vejo
isso em meus netos. Com menos de um ano de idade, já demonstram gênio,
temperamento e como vão enfrentar a vida. É o velho dilema, ainda em discussão,
irrigado com muita pesquisa, de genética e meio.
Já
estamos descobrindo que genética e meio interagem entre si. Não somos um ente a
ser totalmente construído pelo meio, já trazemos uma carga pronta, inclusive
psicológica; por outro lado, o meio incorporado, vai mudando a herança
biológica.
Como
cronista foi caracterizado por Machado de Assis de beija-flor, não há flor
(assunto) em que ele não mete o bico, me pus a escrever sobre um assunto bem
diferente do meu cotidiano, mas meus 33 leitores saberão me suportar.
As
religiões tentam ensinar mecanismos de como o ser humano domina o animal que
mora dentro dele. Há teorias que falam que somos feitos por camadas, como somos
frutos da evolução, cada bicho tem a sua dentro de nós. O lerdo, certamente, está
bem próximo da tartaruga; o briguento, do cachorro, assim por diante.
O
diabo é o bicho que mora dentro da gente. Aquele momento em que a nossa cultura
(mundo humano por excelência) é esquecida e partimos para a agressão, deixando
os instintos nos dominarem. Somos maus por natureza. Dizem: “o cara foi
animalesco”. Aí inventaram a dicotomia corpo/alma, céu/inferno,
teoria/gramática. E assim construímos a nossa civilização ocidental.
Às
vezes, fico perdido, perdido mesmo. Há muita gente com tantas certezas e eu com
milhões de dúvidas. Sinto-me sempre um tripulante de uma embarcação náufraga.
Não desejo mudar nada, essa é a nossa natureza, mas esse sentimento de
pertencer a um bando sem rumo, perdido na planície me incomoda.
Parece
aí que as religiões lançam a tábua da salvação, a idéia de Deus para organizar
a nossa cabeça, para que suportemos o peso do mundo. Esse negócio de pensar,
ser racional, se colocar como centro do mundo, põe o nosso corpo a serviço do
cérebro. A cabeça exerce a ditadura no corpo.
Então,
caro leitor, tudo é uma incógnita. A verdade é relativa, só é absoluta para
quem se contentou com a limitação, só nos resta viajar (viver) por esse planeta
que, por sua vez, também viaja no espaço sideral. Um corpo vai viajando no
outro, e ficamos perdidos como aquela formiga no metrô: sem noção do todo. Quem
sou, onde estou, para onde vou?
Se
sou parte e não sei qual é o meu todo, deixo a vida me levar, não há como
espernear. Com ou sem tábua de salvação, precisamos viver. E que façamos a
travessia com dignidade. Mas o que é dignidade? Esse filósofo não se cala em
mim.
“Navegar
é preciso, viver não é preciso” escreveu Fernando Pessoa. Sendo ateu,
espiritualista ou qualquer outra coisa, a participação de cada um por aqui contribui
com o todo. “Viver” está ligado à individualidade, “navegar” é a marcha da
humanidade. Meus netos adentraram a barcaça da vida. Eu estou quase pulando
dela, mas como o mar é grande e o mundo é pequeno, naveguemos. Esperemos a hora,
sem desespero.
*Hélio
Consolaro é professor, jornalista e escritor. Atualmente é secretário municipal
de Cultura de Araçatuba-SP
5 comentários:
Uma dica: o senhor está precisando de um pouquinho de pimenta (sério). Que depressão é essa secretário? Tudo bem...concordo com tudo isso, também sou uma criatura que se pergunta muito,enquanto vejo tantos com resposta pronta e definitiva, verdades empacotadas. Isso me dá uma preguiça...antes me dava raiva, agora tô fugindo de gente absolutista. Leia meu post sobre a importância da pimenta e entenderá o que digo. Sou meio avessa à teoria Zecapagodista: remar é para os fortes, deixar-se levar é para os fracos. rsrsrs
Estamos quase chegando no dia do Juízo final e nao conseguiram ainda determinar com exatidão quem disse a frace: Navegar é preciso...Fernando Pessoa ou Pompeu se digladiam pela autoria da frase
A precisão a que Fernando Pessoa se refere está no sentido de exatidão e não de necessitade de algo.
Se você, navegador, se o seu navegar não for preciso, você acabará perdendo a rota. Portanto, tenha sempre uma bússola à mão.
Você precisa da bússola, porque navegar tem que ser preciso, sem falhas.
Ao anônimo:
Se um texto poético tivesse apenas uma leitura, não seria texto poético, talvez uma dissertação. Além disso, eu posso tirar uma frase de um contexto e pô-la noutro, ganhando nova dimensão.
Obrigado pela leitura.
Abraços
Hélio Consolaro
Que lindo, Hélio!
E coincidiu com o tema do Café Filosófico de hoje.
Parabéns!
Wanilda Borghi
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