AGENDA CULTURAL

21.8.12

Parábolas libertárias de Hermann Hesse

 Revista da Cultura -  agosto de 2012
Os aparelhos de rádio que, em 1968, sintonizavam as notícias da guerra do Vietnã também faziam ecoar um dos hinos daquele tempo: Born to Be Wild, como clamava o vocalista da banda Steppenwolf, uma referência ao célebre romance de Hermann Hesse, O lobo da estepe. Morto em 9 de agosto de 1962 – portanto, há exatos 50 anos –, o escritor alemão não chegou a ouvir o famoso riff de guitarra eternizado pelo filme Easy Rider. Mas a mensagem “nascido para ser selvagem” certamente o teria deleitado, já que este mesmo espírito rebelde e libertário se faz presente em toda a vasta obra que deixou – motivo pelo qual se tornou a principal influência da contracultura que agitou os anos 1960.

Foi nesta época que o escritor e crítico literário José Castello descobriu seus livros. “Comecei a ler o Hesse aos 15 anos. Demian, Sidarta e O lobo da estepe eram livros obrigatórios para minha geração, desestabilizaram nossa visão de mundo e nos abriram novos caminhos”, conta o vencedor do Prêmio Jabuti de 2011. Segundo ele, Hesse é um autor para quem a vida está impregnada de magia. “Não da magia tola que define a literatura ‘gótica’, mas de uma magia que se revela naquilo que nos parece mais banal. Trata-se de alguém que vê a literatura como um instrumento de iluminação, que tem uma utilidade: levar o autor a se aproximar de si mesmo”, resume Castello.

Nascido em 2 de julho de 1877 na cidadezinha de Calw, no coração da Floresta Negra, na Alemanha, Hesse viveu em uma família burguesa na qual confluíam o pietismo europeu, a ética da tradição protestante e o hinduísmo – seu avô era um indólogo renomado. Sem atuação política direta, a burguesia alemã do século 19 cultivava uma vida interior dedicada à leitura e ao estudo de idiomas. Mas ele não soube lidar com o excesso de normas e expectativas – sociais, familiares, religiosas –, tornando-se um garoto problema desde a tenra infância. Sua temporada no mosteiro luterano de Maulbronn, onde estudaria teologia, durou poucos meses: aos 14 anos, Hesse fugiu do seminário e, no auge de uma crise de adolescência, foi levado a um praticante de exorcismo para “aplacar seu espírito alterado”. Ninguém poderia antever que o garotinho endiabrado seria um dos maiores pacifistas do século 20. Em carta enviada aos pais, ele confessa que, desde os 13 anos, tinha apenas uma certeza: seria poeta ou não seria nada. “Existe escola para tudo, menos para ser escritor”, dizia, deixando clara sua escolha pelo caminho da liberdade total – a literatura.
No turbilhão da Primeira Guerra Mundial, viveu outra de suas crises e foi submetido a sessões de psicologia analítica com um discípulo de Carl Jung. Do método rico em símbolos e mitos, derivou o romance Demian, que se transformou na bíblia da juventude europeia do pós-guerra. 

Hesse tinha enviado os originais ao editor sob o pseudônimo de Emil Sinclair, explicando se tratar de um jovem escritor muito doente – de fato, as primeiras edições traziam a assinatura de Sinclair. Hoje, a justificava do autor seria considerada uma bela estratégia de marketing: aos 40 anos de idade, sendo um dos autores mais conhecidos da Europa, seu desejo era de que aquele fosse um romance para jovens e, por isso, escrito por um deles. A mensagem do livro estabeleceu uma comunicação tão profunda com seus leitores que até hoje ele é festejado por esse público. 

"A adolescência era um tema ainda incipiente na época, presente apenas em Musil, Kafka e Hesse. Hoje, há uma valorização da juventude, mas ela já estava prenunciada ali”, explica o doutor em Letras e tradutor de alemão Paulo Soethe, presidente da Associação Latino-Americana de Estudos Germanísticos. Ele lembra que suas primeiras obras eram narrativas sobre meninos em fase escolar e se encaixam perfeitamente no que os alemães chamam de Erziehungsroman ou romances de educação. “Hermann Hesse é um autor que parece estar sempre contando a mesma história: a de um jovem que rompe com o peso da tradição consolidada e opressora para buscar seus próprios caminhos”, avalia Soethe, que fez pós-doutorado na Universidade de Tübingen, na qual Hesse foi aprendiz de livreiro, entre 1895 e 1898.

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