AGENDA CULTURAL

16.2.13

Semente chocha




Hélio Consolaro*

Ter a noção de que seja parte do universo, um grão de areia, uma coisa insignificante, tem várias consequências na vida de uma pessoa: aceitar a morte, por exemplo.

O egocêntrico se acha o centro do mundo, que tudo começou e vai acabar com ele. Não tem noção de conjunto em lugar algum: no serviço, na escola, na família, não renuncia a nada em favor do todo. Ele ainda não descobriu que na casa do universo, somos apenas um tijolinho.

Todas as mensagens de Jesus, principalmente as perdidas, que não foram registradas na Bíblia, são cosmológicas. Cito algumas que chegaram até nós: “Os últimos serão os primeiros”. Quem se sentir o último, com humildade (sem humilhação), será um sujeito que viverá tranquilamente, entende a todos, sem ambição, não valoriza as convenções sociais. Perder? “Perco agora, mas ganho depois. Ainda há tempo.”

Outra frase cristã: é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico ir para o céu. Nós inventamos interpretações para essa frase, encontramos metáforas, não a aceitamos. Na verdade, a riqueza pessoal, acúmulo de poder, é um exemplo evidente de egocentrismo, puxa o rodo para si, quer tudo, não abre mão.  O negócio é ter e mandar. Perder? Nunca. Estar errado, jamais.     

Já que Rubem Braga disse que ser cronista é viver em voz alta, passo agora para a primeira pessoa. Não sou isso nem aquilo, sou eu. E procuro ouvir em mim a voz de dentro. Seria a voz de Deus? Não sei, assim vou buscando minha centralidade, sem perder o eixo. Troco botinadas, discordo, mas nunca deixo de ver o outro como irmão. E vejo os conflitos, que não sejam para tirar a vida, necessários. Também não gosto de escondê-los debaixo do tapete, fazer de conta que não existem. Que o pus supure.

A franqueza é problemática, machuca, enquanto a hipocrisia é menos dolorida, como escrevia Machado de Assis. Mas com a franqueza construo grupos, monto equipes, tenho a confiança de adversários. Passo a ser um louco confiável.

Morrer é saber a hora de partir. A peça gasta precisa deixar o todo para não comprometê-lo. Na verdade, somos expelidos. E o egocêntrico não quer morrer, vai de arrasto, segurando nas coisas, com vontade de ficar.

Não sei, caro leitor. Talvez na hora de chegar a minha hora, descobrirei que sou também um egocêntrico. O pregador é um sujeito corajoso, ele move montanhas, mas também pode ser uma semente chocha. Ele corre mais o risco de ser hipócrita.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Exerce atualmente a função de secretário municipal de Cultura de Araçatuba – SP.

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