AGENDA CULTURAL

27.5.14

A pátria veste chuteiras, respeitemos o momento


Hélio Consolaro*

Outro dia encontrei um velho amigo, mas que não comungamos dos mesmos ideais políticos, se dizendo consternado porque ia torcer pela primeira vez contra o Brasil, pois a oposição não tem chance alguma de ganhar a eleição presidencial de Dilma Rousseff, caso o selecionado brasileiro de futebol seja campeão. A vitória dela seria acachapante. 

Perguntei-lhe ironicamente se ele era militante de algum partido radical de esquerda. Ele respondeu:

- Você está maluco! Meu é voto do Aécio Neves...

Respondi-lhe com um sorriso no canto da boca:

- Você não é ultraesquerda, mas está tendo um comportamento de ultradireita, porque os extremos, quase sempre, se encontram. A pátria está se preparando para veste chuteiras, meu caro, e você sendo contra.

E assim, continuamos a conversa. Disse-lhe que em 1970, eu tinha a mesma posição dele, torcia contra a conquista do tricampeonato, porque a conquista dele beneficiaria a ditadura militar. 

Em 1970, Emílio Garrastazu Médici, presidente militar não eleito pelo povo, foi ao México, no estádio, ver o Brasil ser tricampeão, mas eu não podia expressar a minha opinião, ficava quietinho para não ser preso porque tinha uma opinião contrária aos mandatários do país e à própria população. Acabei sendo preso noutra circunstância. 

Havia censura, tortura, presos políticos, morria-se por se pensar diferente. Com certeza, naquela época, esse meu amigo torcia entusiasticamente pelo selecionado brasileiro, enquanto alguns brasileiros morriam sob tortura praticada pelo Estado. Esse meu amigo sempre foi a favor do governo, porque, até então, quem governava o país eram os bacanas.

Depois de velho, meu interlocutor resolveu radicalizar. Praticar o mesmo erro que pratiquei em 1970, mas agora ele pode participar de qualquer manifestação a favor de suas idéias, pode errar publicamente. Eu fui impedido de manifestar minha burrice. A esquerda lhe garantiu a liberdade. 

Com a maturidade, aprendi que não podemos confundir a pátria com seus dirigentes, não posso ser contra o Estado de São Paulo, sendo paulista, porque o governador Geraldo Alckmin não é do meu partido.  

O jogador Tostão, hoje comentarista esportivo, que jogou pelo Brasil em 1970, disse algo muito interessante: "Obviamente vai ter Copa. Na época da decisão de realizá-la no Brasil, em 2007, um grande protesto talvez pudesse inviabilizar o mundial. Hoje, não". É que 2007 não era um ano eleitoral.

Para aliviar a tensão entre nós, dois amigos com pensamentos contrários, mas amigos, vou recomendar a leitura de minicontos sobre futebol, Copa do Mundo, publicados na Ilustríssima, caderno da FSP, edição de domingo, 25/5/2014, de Vanessa Barbara e Marco Barbará. Basta clicar aqui.  

É meio esquisita essa amizade assim, mas tenho alguns amigos que pensam diferentes de mim, nem por isso me afasto deles, caso respeitem minhas ideias, porque as deles, respeito-as por antecipação. Precisamos ser democráticos nas relações interpessoais. Só assim construímos uma democracia sólida. 

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP


2 comentários:

HAMILTON BRITO... disse...

Vixi, arrumei encrenca com um amigo virtual de Porto Alegre por causa do mesmo tema: torcer contra a seleção...coisa mais idiota.

Anônimo disse...

Olá Hélio, texto bem colocado.
Como disse Tostão, se não queriam a Copa e Olimpíadas, cobrassem a não realização antes.
Não vou entrar nas questões partidárias e políticas de nosso país, se tem algo ou não por trás eu já não sei.
Tem coisas que o brasileiro não pesquisa, não se informa, e geralmente é relacionada a política.
A falta de hospitais não é culpa da Dilma/Lula/FHC... a culpa é dos municípios e Estados, mesmo que o Gov Federal as vezes entra com a verba.

O Brasileiro deveria seu unir não contra a Copa e sim contra diversos corruptos que são eleitos todos os anos por nós, e desviam a verba dos hospitais, de escolas e assim por diante.

A manifestação que vejo hj contra a Copa, é uma babaquice sem planejamento. Seria melhor uma manifestação contra a corrupção, contra a falta de muita coisa que há nesse país... já que o momento é de total obsrvação do Mundo para nós.

Independente se é eleição ou não, o mundo está evoluindo, aos poucos mas está, o brasileiro não aguenta mais tanta barbaridade acontecendo.. somos o país dos direitos humanos que apoia o marginal..

Espero que tenhamos uma belíssima copa, que saibamos recepcionar os gringos, que tenha paz dentro e fora dos estádios.

Marcelo Akira nishikawa
Psicólogo
Birigui/SP