Entrevista especial concedida à edição 236 da revista BOA VONTADE para Hilton Abi-Rihan
8/5/2014 atualizada 27/5/2014
8/5/2014 atualizada 27/5/2014
A espontaneidade e a energia de Jair Rodrigues sempre contagiaram todos os que cruzavam seu caminho. Ainda menino, esse paulistano de Igarapava, de origem simples, sonhava em ser jogador de futebol, destino que sua “velha mãe”, dona Conceição, como carinhosamente ele a chamava, sabia ser bem outro. Aos 75 anos de idade, o sambista e pai do rap voltou à Pátria Espiritual nesta quinta-feira, 8, deixando como legado uma carreira musical de dar inveja — foram mais de 50 anos na estrada —, com inúmeros sucessos e parcerias que marcaram história.
Na próxima edição da Revista Boa Vontade, de número 236, acompanhe reportagem especial sobre o músico. Abaixo, confira trechos de uma das últimas entrevistas do sambista, feita durante visita ao Conjunto Educacional Boa Vontade.O bate-papo será publicado na íntegra na próxima edição da publicação.
Em visita ao Conjunto Educacional Boa Vontade, formado pela Supercreche Jesus e pelo Instituto de Educação José de Paiva Netto, na capital paulista, o cantor foi recepcionado pelo Grupo de Instrumentistas Infantojuvenil Boa Vontade e pelo Coral Ecumênico Infantojuvenil Boa Vontade, compostos de alunos da escola. No Espaço Cultural Idalina Cecília de Paiva, assistiu a uma apresentação de crianças e jovens que participam das aulas de música. Ao término, parabenizou os estudantes pelo talento e improvisou uma animada canção. “Vi o coral assim que cheguei, cantando bonito, e os meninos, cada um com seu instrumento, levando a música com respeito, seriedade. Agradeço a Deus por tudo isso e peço ao povão que venha ver, ajudar, colaborar. As pessoas não vão perder nada com isso. Estou gostando de tudo o que estou vendo, desse tratamento [dado às crianças], desde os garotinhos até os mais velhos. A cada hora, a cada minuto que passa, minha felicidade aumenta", disse.
Esbanjando bom humor durante entrevista concedida à BOA VONTADE, ele comentou passagens importantes de sua trajetória profissional e em família. Ainda deixou a seguinte mensagem ao diretor-presidente da LBV: “Paiva Netto, estou sempre o vendo e fico embasbacado o ouvindo falar tão bonito, fazendo suas orações. Parabéns! Que Deus o ilumine sempre! Você já é um iluminado, mas que Deus o continue iluminando”.
A seguir, os principais trechos desse alegre bate-papo.
BOA VONTADE — Foi sua mãe quem o apresentou ao universo musical?
Jair Rodrigues — Foi minha velha mãe. Quando eu tinha 7, 8 anos, ela me levou para ver a missa na Igreja de Nova Europa, no Estado de São Paulo. Nova Europa fica ali perto de Araraquara, São Carlos. Quando eu adentrei com minha mãe na igreja, senti uma coisa extraordinária. Olhei para trás e vi um coral cantando os hinos. Eu ficava olhando, e minha mãe falava: “Ei! Presta atenção na missa, diacho!”. Mas eu prestava maior atenção lá no coral. Até que, um dia, ela me colocou para fazer parte dele. Foi assim que comecei a ter aquela interação, a conhecer os hinos, as músicas...
BV — Quando começou a encarar a música como profissão?
Jair Rodrigues — Eu morei em Nova Europa dos 6 aos 14 anos. Aí nos mudamos para São Carlos, uma cidade maior, que já tinha alguns programas, algumas emissoras de rádio. Certo dia, fui levar minha irmã para cantar na Rádio São Carlos, mas, quando cheguei lá, descobri que, na verdade, ela tinha se inscrito para cantar num programa de calouros. Minha irmã tinha um vozeirão, mas não obedecia muito ao ritmo; aí ela não passou no teste. Estava tentando ajudá-la, e, de repente, o maestro falou: “Já que sua irmã não passou, você não quer fazer um teste?”. Cantei um samba e passei. (...) Depois, veio o Tiro de Guerra [órgão do Exército brasileiro encarregado de formar reservistas], em 1943. Todas as vezes que cantavam o Hino Nacional, eles me chamavam para cantar junto. Até que um dos amigos do Tiro de Guerra falou: “Jair, tem um restaurante lá no centro de São Carlos que toca música ao vivo sexta, sábado e domingo, e estão precisando de um cantor. Você não quer fazer um teste?”. Quando cheguei ao restaurante, estava aquela muvuca; era uma barulheira danada. Aí eu comecei a cantar. De repente, aquela conversação começou a diminuir, e as pessoas começaram a prestar atenção. Quando acabei de cantar, foram aplausos e tudo. Com isso, assinei meu primeiro contrato e peguei meu segundo faz-me rir*². Foi aí que me profissionalizei. Acho que era 1957.
BV — Disparada é um de seus grandes sucessos.
Jair Rodrigues — Quando me deram para defender a música Disparada, do Geraldo Vandré e do Theo de Barros, eu já tinha um samba chamado Canção para Maria, do Paulinho da Viola e do José Carlos Capinam. (...) Cada artista tinha que apresentar uma música só, mas como o Geraldo Vandré, que iria apresentá-la, não podia ir à apresentação, mandaram procurar um intérprete. O Hilton Acioli estava me mostrando a música quando, de repente, minha mãe — eu não a esqueço, porque ela foi 99,9% responsável por minha carreira — saiu da cozinha e ficou olhando. Quando o Hilton terminou de cantar, ela falou: “Nossa, meu filho! Que música bonita! Se você a defender, vai ganhar”. O Hilton Acioli se empolgou, e eu, mais ainda.
BV — Sua mãe acertou.
Jair Rodrigues — No fim do festival, Canção para Maria ficou em terceiro lugar. Eu já estava indo embora quando a produção me chamou e falou: “Olha, você classificou também Disparada”. Quando foram ver os votos, os jurados haviam dado vitória para A Banda, mas o público tinha dado vitória para Disparada. Eles entraram num acordo, e deu empate. Quando anunciaram a vitória, chamaram minha mãe. Ela subiu no palco e até deu entrevista.
BV — Antes de se profissionalizar como cantor, trabalhou em outra área?
Jair Rodrigues — Antes de vir para a música, eu ajudava meus pais. (...) Minha mãe sempre falava para a gente: “Meus filhos, vocês precisam aprender um ofício, porque vamos supor que, um dia, vocês vão trabalhar na cidade grande”. Então, ela me colocou para aprender a profissão de alfaiate; meu irmão a de mecânico; e minha irmã, que era ainda muito pequenina, ficava em casa, ajudando minha mãe. Nas horas vagas, eu também era engraxate, servente de pedreiro e ajudante no cinema.
BV — Suas músicas têm melodias marcantes e letras que contam histórias da vida real. Essa é sua fórmula para o sucesso?
Jair Rodrigues — Os cantores e músicos de minha geração, como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa, Silvio Brito, Jorge Ben Jor, enfim, cada artista tinha seu sucesso com músicas da melhor qualidade. Hoje, eu fico vendo esta nova geração, e a maioria das canções é de primeiríssima qualidade, mas, infelizmente, as letras deixam muito a desejar. Cada vez que eles cantam essas músicas sem letra, sem consistência, quando elas caem, as derrubam também.
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