AGENDA CULTURAL

18.12.18

Ainda bem que tenho folhas caídas para varrer


Foto de Carola Becker
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

O oitizeiro não pode sentir ventos em suas galhos que se derrete em folhas secas, contemplando o chão com um denso tapete, mas nunca fica pelado. Árvore abençoada que não deixa o seu cuidador sem sombra, por isso se desfolha o ano inteiro.

Nas ruas de Araçatuba-SP, o oitizeiro rebate o sol quente da primavera-verão. Protege tanto que vi o diabo descansando em sua sombra. Mas há gente que não reconhece as virtudes dessa árvore da Mata Atlântica. Aliás, há gente que detesta árvores, nasceu com o espírito tardio de lenhador. Gosta de cortá-las.

Com o temporal de ontem, o oitizeiro de 35 anos, que eu plantei no meu terreno, cobriu o quintal de folhas. Na hora do temporal, a chuva me acordou caindo no telhado, não gostei. Porém, em seguida, puxei minhas orelhas: "Você, cara, está amparado pela cobertura de sua casa, não tem nenhuma goteira, que mal lhe traz a chuva? Água é a fonte da vida, infeliz!". Eu havia pensado o que o oitizeiro havia aprontado no quintal, que devia estar forrado de folhas caídas.

Tomei o café em companhia de Helena, peguei vassoura, pá e lixeira e fui limpar o quintal. Se fosse de terra, as folhas seriam adubo, mas no cimento, elas se tornam sujeira. Para cada vassourada, uma fungada, para cada pá de folhas recolhida, uma reflexão.

Ainda bem que tenho folhas caídas para recolher, sinal de que tenho árvore. Meus ancestrais escolheram para morar uma região em que a vida viceja, não é um deserto.

Outra pazada e mais um pensamento. Ainda bem que a água escorre em abundância nas torneiras, no chuveiro, na mangueira, nem preciso carregá-la em balde até o pote.

Oitizeiro jovem

Não se trata de olhar para trás, contentar-se com a desgraça alheia, caro leitor, mas de reconhecer e valorizar a nossa vida em abundância. Às vezes, nos falta o dinheiro; todavia, no deserto, nem com dinheiro se consegue água.

Não deixei o mau humor tomar conta de mim, transformei minha indisposição em gratidão, alegria, por tudo que recebo. Quando uma pessoa varre a calçada de sua casa de manhã, faz uma oração de gratidão pela vida. A rua é o altar, a vassoura, a monja. 

2 comentários:

Unknown disse...

Vassoura nelas é melhor que não ter sombra quando ainda se agarram na mãe árvore.Nosso clima é q u ente de lascar!!!!

Unknown disse...

Pior é quando as "folhas" do nosso "teto biológico começa a cair. Aí não tem rastelo que dê jeito. Só chapéu né Hélio ?!?!