Dialogo
comigo, coisas de velho ocioso nesses 69 anos. Minha língua tenta enganar meu
cérebro com narrativas antigas. Que retruca, engasgado, coisas em forma de
sonhos, tentando esmagar palavras como cachos de uvas, retirando seu suco.
Passou!
Olhos, precisam ver não... Ouvidos,
ouvirão? Com o diabo falo palavras que só deus entende!
Eu, já semente, nessa encruzilhada, lembrando orações que não me
alcançam mais. Na coluna, dolorida, sobe o peso das caminhadas.
E
para a eternidade, as vozes dos netos e netas que tenho ou que terei, tirados
do meu sangue e carne. Ou adotadas.
O Diálogo entre nós nunca é bom, é risco, rabisco, corta a carne. Tirar
a cegueira com lágrimas para não ver, é olhar o abismo, mas ele nos olha. Basta
a vida, berra meus passados anos, como bolo derretendo no calor das tardes, lembrando
épocas em que flores nasciam no asfalto.
Mas eles continuam a discorrer nos ossos que perdi pelos caminhos, das
outras células esquecidas, envelhecidas... A velhice beija meus cabelos
embranquecidos.
Sempre pensara nela, sem documentos, sem avisos, chegando e cobrando seu
tempo. Gostaria de não ver a dor de outros tempos, destampadas, como portas
abertas.
Tem
memórias que são como sóis raivosos! Com deus pratico a paciência do diabo!
Almoço com um, bebo com outro.
Vi
o vento carregar cavalos vestidos de homens e chupar com a língua a memória dos
tempos.
Vi
amores se derreterem no frio de desejos imaturos.
Vi
famílias que se resumem a quadros.
Vi
na mancha da saudade a celebração ao mundo.
Vi
dor pior sem qualquer fundo.
Vi
riso alheio das meretrizes do poder.
Vi
a lágrima gotejar antes de poder ter sido lágrima.
Vi
coisas que não lembro, não de lembranças, mas do esquecer.
Pensara
ter visto muito... Mas hoje vejo as serpentes do nazismo! As suásticas saíram
às ruas. Estão nos poderes. Permeiam multidões! O gigante deitado eternamente
acordou para o pesadelo?
Consigo
sentir o pó das flores soprarem todas elas em meu rosto. Tive vidas que me
arrepiam por dentro.
Comi
quando pude. Lutei com causa, perdi, ganhei e tornei a perder.
Teci
e desteci tapetes, deitei e me levantei deles, cansado e descansado.
Procurei amar e desamar, com sede inexpressiva, com fome de
abraços.
Colhi
os frutos da minha eternidade que talvez
sorriam por tal sorte.
Perdi
uma! Ganhei outros ou outras! Também adotei...
Vinda
com esse amor tardio que às vezes me confunde e que resolvi continuar...
Pousei
os sentidos em vazios, não pronunciei palavras que deveriam.
Fossem
elas pacientes, fugiriam, deixavam-me ouvir o que resta desse tempo.
Fosse
eu elas, escutaria melhor o que resta dessa semente, pedindo perdão ao limite.
Mas
me calo, como cala a morte.
Inclino
meus tempos passados na indiferença do constatar: inacabado!
São
eles pequenos frutos amassados do meu ego envelhecido.
Tem fim não, nem tem gosto das ervas nem cheiro de livros novos.
Apenas pele enrugada, gosto de terra, cabelos brancos, tesões lembrados e
dor no peito quebrando esse silêncio
Marcos Francisco Alves é professor aposentado da rede ensino estadual de São Paulo: +55 18 99744-0047. Fevereiro de 2020
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