AGENDA CULTURAL

29.11.22

Medite sobre a sua mortalidade - Gervásio Antônio Consolaro

William Michael Harnett - óleo sobre tela - 1876 - (Wichita Art Museum (United States) 

Quando um homem sabe que vai ser enforcado dali a quinze dias, isso faz sua mente se concentrar  maravilhosamenteDR. JOHNSON

      No final de 1569, um nobre francês chamado Michel de Montaigne foi dado como morto depois de ser arremessado de um cavalo a galope.

      Enquanto seus amigos carregavam seu corpo mole e ensanguentado para casa, Montaigne observou sua vida fugir de seu eu físico, não traumática, mas quase fragilmente, como um espírito dançante na “ponta de seus lábios”. Só para retornar no último segundo possível.

       Esta sublime e inusitada experiência marcou o momento em que Montaigne mudou sua vida. Em poucos anos, ele seria um dos mais  famosos escritores da Europa. Depois do acidente, Montaigne passou a escrever volumes de ensaios populares, teve dois mandatos como prefeito, fez viagens internacionais como dignitário e atuou como confidente do rei.

       É uma história  velha como o tempo. O homem quase morre, faz o inventário e emerge da experiência uma pessoa totalmente diferente e melhor.

      E assim foi para Montaigne. Chegar perto da morte o deixou com mais energia, o tornou curioso. A morte não era mais algo a temer – encará-la tinha sido um alívio, até uma inspiração.

     A morte não torna a vida sem sentido, mas sim cheia de propósitos. E, felizmente, não precisamos chegar às portas da morte para interceptar esta energia.

      Nosso medo da morte é um obstáculo ameaçador em nossas vidas. Molda nossas decisões, nossa perspectiva e nossas ações.

       Como Shakespeare escreveu em A tempestade, não muitos anos mais tarde, enquanto ele mesmo estava ficando velho: “Cada terceiro pensamento será o meu túmulo.”

      Cada cultura tem seu próprio modo de ensinar a mesma lição: Memento mori, os romanos lembravam a si mesmos. Lembre-se de que você é mortal.

       Parece estranho pensar que vamos nos esquecer disso ou que precisamos ser lembrados, mas obviamente precisamos.

       Em parte, a razão para termos tanta dificuldade em aceitar a morte é porque nosso relacionamento com nossa própria existência é totalmente confuso. Podemos não dizer, mas lá no fundo agimos e nos comportamos como se fôssemos invencíveis. Esquecemos como é realmente leve o nosso controle sobre a vida.

     De outro modo, não gastaríamos tanto tempo obcecados com trivialidades, tentando ser famosos, ganhando mais dinheiro do que poderíamos gastar em toda a nossa vida ou fazendo planos distantes no futuro. Tudo isso é negado pela morte. Todas essas suposições presumem que a morte não nos afetará ou, no mínimo, não quando não quisermos. Os caminhos da glória, escreveu Thomas Gray, não levam a não ser para o túmulo.

     É um clichê perguntar: "O que eu mudaria em minha vida se o médico me dissesse que tenho câncer?” Depois da resposta, inevitavelmente nos confortaríamos com a mesma insidiosa mentira: "Bem, graças a Deus não tenho câncer."

     Mas temos. O diagnóstico é terminal para todos nós. Uma sentença de morte está decretada. A cada segundo, a probabilidade está devorando todas as chances de que estaremos vivos amanhã; alguma coisa está vindo e você jamais será capaz de interrompê-la. Esteja pronto para quando este dia chegar.

     Lembre-se da oração da serenidade: Se algo está sob nosso controle, vale cada grama de nossos esforços e energia. A morte não é uma dessas coisas – não está sob nosso controle quanto tempo ainda viveremos ou o que virá e nos levará embora. 

Gervásio Antônio Consolaro, diretor da AFRESP, ex-delegado regional tributário, auditor fiscal da receita estadual aposentado, formado em administração, ciências contábeis e bacharel em Direito.                      g.consolaro@yahoo.com.br  

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