Presentear com relógio significa dar a ele uma pessoa para que a comande!
Perto deste relógio, uma flor tocou o
ponteiro sem percebermos, e ele parou! Horas depois, fiquei feliz pois vi que
uma flor parar o tempo. Isto pode ser um sinal que horários não devem
prevalecer, que devemos dar um tempo ao tempo. A flor, o amor, o carinho e o
afeto não têm tempo para iniciar ou acabar, só dependem de nós em se desligar
da escravidão servil ao relógio!
ESCRAVOS DO RELÓGIO
O escritor argentino Julio Cortázar
escreveu que não devíamos usar relógios de pulso e muito menos dá-los a alguém.
No conto “Preâmbulo às instruções para dar corda no relógio” do livro “Histórias
de cronópios e de famas”, descobri que quando lhe dão um relógio, o presente é
você para o relógio! É ele que o levará para passear, trabalhar e se divertir.
Ele tomará conta de você, lhe dando a obsessão de olhar a hora certa. Você o
cuida para não ser roubado, cair no chão ou se quebrar, ou ainda lhe dá o
costume de comparar seu relógio aos dos outros.
Para cortar o encanto do relógio não lhe dê
corda ou tire-lhe a bateria. Depois de uma breve crise de abstinência
perceberás que as árvores soltarão suas folhas, os barcos correrão em regata, o
tempo como um leque vai se enchendo de si mesmo e dele brotam o ar, as brisas
da terra, a sombra de uma mulher e o perfume do pão com queijo.
Como uma mágica, cada coisa ou encontro
esquecido por você, enferrujará as peças e começará a corroer as veias do
relógio, secando o sangue frio dos rubis e quartzos. Com a morte do relógio
perceberemos que se não corrermos na vida, aí que chegaremos antes e
compreenderemos que o tempo não tem importância.
CRIANÇAS
Muitas escolas com o motivo de preparar as
crianças e abrir portas para que dominem o mundo, embute uma competividade que
pode criar a Síndrome do Pensamento Acelerado de Augusto Cury. As crianças e
adolescentes se retraem, se exacerbam, perdem a naturalidade e ficam
agressivas, sendo atribuídas a elas diagnósticos e terapêuticas equivocadas de
hiperatividade, depressão e outras psicopatias. Cuidado, um relógio pode ser
perigoso.
Relógio, tempo e cobranças são coisas que
andam juntas. Eu percebo nitidamente quanto tempo eu perdi ao não perder tempo
com certas coisas. Hoje eu vivo revisitando os caminhos percorridos à busca de
coisas que deixei para trás por falta de tempo ou ainda procurando o que perdi
pelos solavancos da estrada que segui. As vezes me perguntam: o que procura?
Respondo que procuro algo que perdi no caminhão de mudança e nem sei o que é!
Ainda bem que tenho estas oportunidades e quem não as têm?
REFLEXÃO FINAL
O relógio é muito retrô e fica nos
tolhendo. É muito bom sair por ainda cantarolando “Tempos Modernos” de Lulu
Santos: “Hoje o tempo voa, amor/ Escorre pelas mãos/ Mesmo sem se sentir/ Não
há tempo que volte, amor/ Vamos viver tudo que há pra viver/ Vamos nos
permitir” ...
Devemos consumir e construir aquilo que queremos e podemos para ficarmos tranquilos e felizes, plenos na sensação de bem-estar, sem culpas e medos. A vida é curta e nobre demais para vivê-la sem qualidade, pois haverá o amanhã e o amanhã será muito melhor! Quem consegue ser feliz com o pouco, jamais será escravo do muito.
Feliz 2023
Professor Titular da USP
FOB de Bauru
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