AGENDA CULTURAL

31.8.06

Esperar o ladrão

Hélio Consolaro


Diante da lei pode haver compreensão e bom senso. Levar a letra à risca não é sinal de sabedoria. A realidade é maior que os esquemas. Isso ensinou Jesus Cristo aos hebreus.

Vou aproveitar um fato inusitado, acontecido em Nova York, para pôr o meu caso, ocorrido em Araçatuba há alguns meses na av. dos Araçás. Não é uma denúncia, porque fiz questão de não ver os nomes dos soldados nem o número da viatura da PM. Quero apenas fazer uma reflexão.

Há gente miúda que põe a farda e cresce. Como naquele ditado: se quiser conhecer alguém, põe-lhe na mão uma vara, dar-lhe poder. Aí se descobre que a humildade de determinado cidadão não passava de humilhação, estava contido, e o vulcão autoritário entra em erupção.

Há certas coisas que não podem esperar. Um padre católico do Brooklyn, cidade de Nova York (EUA) levou uma multa de 115 dólares ao estacionar mal o carro antes de uma extrema-unção num moribundo. As autoridades se negaram a retirar a multa, apesar dos protestos dos fiéis.

"Fico triste ao ver que a santidade da lei não pode se dobrar diante das necessidades de uma pessoa agonizante", disse o sacerdote Cletus Forson.

Forson foi chamado com urgência a um hospital por um fiel que buscava desesperadamente alguém que pudesse administrar os últimos ritos a sua mãe moribunda.

Este cronista foi multado à meia-noite de um dia de junho na avenida dos Araçás, numa hora em que aquela avenida vira um ermo.

Seguindo as orientações de segurança, não se pára em semáforo às altas horas da noite, por isso fui passando os semáforos fechados da av. dos Araçás, depois de olhar por todos os lados, pois, se parasse, era esperar o vento passar ou alguém me atacar.

Estava naqueles dias agitados de ataques do PCC. De repente, já na av.Waldemar Alves, vi atrás de mim uma viatura com a sirene aberta. Saí da frente, ela me acompanhou. Percebi que era comigo. Parei.

Policiais com armas pesadas em punho saíram de dentro dela. Apresentei todos os documentos. Quando viram que eu não era nenhum marginal ou presidiário, para não perder a viagem, aplicaram uma multa.

Eu disse ironicamente: prefiro ser multado a ser assaltado, mas não sei mais qual é a diferença. E eles não entenderam. Neguei-me a assinar a multa. Procurei um despachante, e ele me disse que era inútil apelar. Como disse o personagem Fabiano no livro Vidas Secas: “Governo é governo”.

Hoje, às 23h, quando saio do Colégio Salesiano, depois das aulas, vejo todos o carros passarem pelo sinal fechado na mesma avenida e não aparece nenhuma viatura policial. E eu aguardo o sinal verde. Optei por esperar o ladrão.

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