AGENDA CULTURAL

10.11.06

Motéis filosóficos

Hélio Consolaro

Tudo era muito escondido. A mulher escondia sua forma, seus contornos. Usavam-se vestidos longos. Debaixo dos panos, escondiam-se corpos esculturais e também cada pipa de vinho...

Não estou falando dos índios encontrados no Brasil pela esquadra de Pedro Álvares Cabral, que andavam todos peladões, como conta a carta de Pero Vaz de Caminha. Escrevo sobre o mundo ocidental, coberto de hipocrisias.

No mundo cristão, o corpo da mulher foi ganhando corpo, perdendo roupa. Calça comprida, minissaia, maiô, biquíni, topless. Atualmente, elas mostram o cofrinho com suas calças baixas. Nem todas, claro, apenas as jovens e as mais atrevidas. Há cada bundão saltando das calças...

Dessa forma, queimam-se etapas. Em vez de o homem conquistar a mulher, para depois encher a mão e sentir o tamanho da maçã, o produto já está à mostra. Com testa grande ou bem miudinha. Quem sabe se assim os namoros terão um caráter mais metafísico, surgindo os motéis filosóficos.

Sexo e filosofia combinam bem, pelo menos esta poderá tirar o animalesco daquele. Mas quem quer deixar de ser animal naquela hora medonha, fera indômita numa cama de motel? Todos querem grunhir.

Enquanto se tira a roupa, discute-se Sócrates. Entre um carinho e outro, Platão. Se a conversa cair na lógica, recorre-se a Aristóteles. Na hora de violar regras, Marcuse. Durante os gritos, Nietzsche. Na hora da lassidão, Schopenhauer. Ao pagar a conta do motel, chama-se Karl Marx.

Esse croniqueiro domina a filosofia do cotidiano, que algumas chamam de auto-ajuda, na tentativa de desqualificá-la. Esse Consa não manja nada da filosofia acadêmica, toda calçada de salto alto.

- As mulheres realmente estão ousando demais. – dirá a puritana da esquina, mas que deseja ardentemente o cunhado.

- Como? Deixar que a roupa mostre o contorno da perseguida! Com aquela roupa colante, deixando tudo à mostra! A testa e a fenda da caverna! – esbravejou a vovó.

-Ainda bem que usamos hábitos, roupas medievais! – gritou a madre superiora.

O nome “perseguida” dado à vagina está démodé. O tempo em que os homens perseguiam as mulheres já foi, agora as perseguidoras são elas. E de vez quando têm uma decepção: o cara encontrado come a mesma fruta. As mulheres estão com saudade do tempo em que existiam homens tarados.

Confesso, caro leitor, que prefiro o corpo descoberto. Aos poucos os índios vão tirando a roupa que foi posta pelos portugueses indevidamente. Cada vez mais o corpo fala, mostra-se com toda a sua eloqüência num strip-tease histórico, a cada ano cai uma peça.

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