AGENDA CULTURAL

30.1.07

Pouca coisa parece tudo

Hélio Consolaro

Há certas expressões em português que são contraditórias, mas, por mais paradoxais, correspondem à realidade.

Noutro dia, eu me achei diante de um fato que cabia exatamente a expressão “Está ruim, mas está bom”, condenada por muitos. Ela expressava o meu sentimento diante de determinado fato. Os intelectuais reclamam de que o povão sacrifica o português, mas ele tem a sua sabedoria.

Quantas vezes ficamos diante daquela imensidão de água que é o mar, sentindo-se um grãozinho de areia e pensamos: “Como o mar é grande”. E na mesma praia longínqua, encontramos um amigo de Araçatuba, por exemplo, logo dizemos: “Como o mundo é pequeno!” E o mar fica no mundo...

As águas torrenciais de janeiro já atingem a classe média, derrubando casas, como na tragédia da cratera do Metrô. Embora não tenha acontecido na periferia paulistana, só matou gente que vai para o trabalho de “van”. Miséria pouca é mesmo bobagem. Nem sempre a chuva é uma canção de ninar no telhado, pode ser desespero.

E para completar a “homenagem” à marginalidade, estão dizendo que a cratera se transformará no futuro estádio do Corinthians. Que maldade! Se isso acontecer, a desvalorização imobiliária na redondeza é certa.

Nessas férias, nem tive predisposição para viajar. Vi tanta tragédia pela televisão que me amedrontou, me encolhi medroso. Tudo parecia desmoronar.

Estava entusiasmado para percorrer o caminho de São Tomé, de Capão Bonito a Iguape (litoral sul, paulista), percorrendo a pé 220 km, mas não tive coragem por causa das chuvas.

A caminhada é educativa, pois atravessa a mata Atlântica; lições de História do Brasil, como visitas às cavernas onde os soldados constitucionalistas se esconderam e passa pela mata em que Mariguela enganou o exército; além da espiritualidade inerente de tais caminhadas. É um arremedo paulista do Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha.

Os pobres desse Brasil, descamisados, eleitores de Collor e Lula, vivem dizendo na televisão que não têm nada, mas basta uma enchente para perderem tudo. Não é mesmo paradoxal?

Na verdade, o tudo e o nada de pobre estão bem próximos, porque ter uma cama onde jogar o corpo para o descanso é uma riqueza. Pode ser um monte de cacarecos, mas sem eles, a vida fica complicada.

Num lampejo de caridade, certo dia, prestei serviços ao Albergue Noturno, na recepção dos habitantes de rua durante a noite. Percebi como valorizavam os documentos pessoais, era a riqueza deles. Sem aqueles papéis, perderiam sua identidade. Quanto menos se tem, pouca coisa parece tudo.

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