AGENDA CULTURAL

2.11.11

A busca da imortalidade


Hélio Consolaro

Em sala de aula, explicando o tema da redação, ecologia, passei a mão pela cabeça e percebi uma área devastada no cocuruto, uma tonsura. Fiz uma pausa na explicação, para surpresa dos alunos. Mal sabiam que seu professor filosofava, e até se lembrava de um verso de Fernando Pessoa: “Nem sei bem se sou eu quem em mim sente”.

Era um momento que o eu esgrimia com o universo, a criatura questionava seu criador. Dizem que nosso mal é se dar muita importância. Ninguém é educado para ser o tijolo de uma construção, todos querem ser o telhado, embora sejamos mesmo sempre a peça menor da construção. Então, na hora em que descobrimos a nossa insignificância, em vez de crescermos na humildade, a depressão nos invade.

A proximidade da finitude é a apoteose desse sentimento. Nele passamos a entender a vida, mas ela acaba, e nem sabemos direito se continua ou não, como prometeram nas homilias.

Nem me atrevi a explicar àquelas pessoinhas em início de trajetória pensamentos tão escabrosos. Para elas, o mundo começava a existir no momento do nascimento, agora que aprendiam aulas de História, se ligavam à marcha da humanidade. A vida era uma estrada longa, interminável, que nunca ia acabar. Ledo engano, mas viver o engano faz parte do show.

O pseudomilitante do Greenpeace que esgoelava pensamentos ecológicos a jovens imberbes, a título de passar-lhes argumentos para a montagem de um texto dissertativo, queria mesmo era poetar. Quem o professor tanto defendia o atacava sorrateiramente via espelho. E a natureza era cruel, sempre agia friamente, sem nenhuma compaixão, como se eu fosse um detalhe sem importância, um parafuso desgastado de uma máquina.

De repente, a natureza me arrebata como uma peça que já cumpriu a sua função e meu túmulo será visitado em Dia de Finados. Confesso, caro leitor, que não sou o primeiro a ter tais pensamentos. Sei também que tento ser original, mas tenho consciência de que os outros gritam em mim. O plágio só não é encontrado no texto n.º 1, mas ninguém o conhece, talvez tenha ficado com o Criador no Éden. Ou eram rabiscos de macacos bonobos. Então vivemos de um plagiar o outro.

Como sou um sujeito que esperneia, que quer construir sua própria imortalidade, nem que seja numa cidade de interior, deixo livros, crônicas, e textos esparramados por jornais e internet. Talvez redigirei meu próprio epitáfio.

Assim, hoje, percorro as ruas da cidade dos mortos. Um mundo virtual que teima em ficar em forma de arremedo. E novamente verso de Fernando Pessoa me vem: “Eu serei tal qual pareço em mim?” (2/11/2077)

2 comentários:

Anônimo disse...

sinistro kkkk

Unknown disse...

Pois é, professor. Todos sonhamos com um tiquinho de imortalidade...