AGENDA CULTURAL

7.9.08

Saudade da criança

Fotógrafo: Thiago Floriano

Hélio Consolaro


A Japa sempre vem, toda contente, contar a este croniqueiro as peraltices do Consinha, nosso neto. Ele é a alegria da casa. Nós, como avós, estragamos o menino, cumprimos essa fase bela da vida.

Calma, caro leitor, não vou contar aqui detalhes de minha vida pessoal, nem fazer uma homenagem ao meu neto. Ao escrever, procuro construir também um subtexto para atender os leitores mais exigentes.

Também preciso fazer uma advertência: não vai aqui nenhuma intenção de aguçar o sentimento de culpa de pais separados. Há sim uma reflexão sobre isso também, mas com outra finalidade. Este croniqueiro prefere uma família que se ama, embora não more na mesma casa, a uma que se estapeia debaixo da mesma cumeeira.

Então. Noutro dia, a Japa veio contar que o Consinha recebeu telefonema do pai, que mora noutra cidade. Já com quatro anos, tomou gosto pela conversa por telefone, papear, e como teve férias maternas, a ligação com o pai reavivou.

Como conversa pela webcam com primos que moram no Japão, dá para ver tudo, como se fosse pela televisão, quis fazer o mesmo por telefone, num exercício de futurologia. Exerceu a sua fantasia.

- Pai, veja o brigadeiro que a vó fez!

E passava sobre o doce o telefone sem fio.

- Viu, pai? Tá gostoso...

E o pai, certamente, dizia que havia visto a guloseima.

Consinha foi para o escritório:

- Pai, veja minha pasta da escola! Tem novos adesivos: Homem Aranha...

E passava o telefone sobre ela. Correu para o banheiro:

- Pai, o vô comprou uma escova de dente pra mim!

E pôs a escova diante do telefone. E assim, compartilhou com seu pai as novidades de seu cotidiano.

A avó achou graça; Menininha, a mãe, ria, quando ficou sabendo. Nice, a secretária da casa, gargalhava. Não sei qual foi a reação do pai do outro lado.

- Esse menino apronta cada uma! – foi a voz de todos.

E este croniqueiro, quando lhe foi contada a façanha, fiquei pensativo. Mania de quem vê o rio submerso atrás de cada atitude. Gosto de ver a a profundidade do rio, não me limito a ficar nas margens.

Não presenciei tal cena, carregada de lirismo, emotiva. Que pena! Se ela fizesse parte de um filme, com certeza, teria arrancado lágrimas da platéia.

Não pus culpa em ninguém, nem escrevi que o pai devia ter chorado do outro lado do telefone. Tais cenas acontecem no espetáculo da vida, mas não temos olhos para ler o milagre.

Meus olhos se encheram de lágrimas ao ouvir a história. Não foi por dó do Consinha, porque seus pais estão separados. Se pai e filho morassem juntos, talvez não gostassem tanto um do outro.

A minha emoção era ver a beleza interior daquela criança, a sua espontaneidade, aquele frescor de mina d’água. E cantar com Ivan Lins: “Preciso desse menino, que eu carrego aqui dentro / Sem ele eu perco todo encantamento por ter crescido”.

3 comentários:

Cássia disse...

Oi, Menino!!Gostei da frase"...aquele frescor de mina d'água".Coube dentro de mim, porque as vezes falamos tanto em felicidade e pouco sobre nós...amei a foto!Bjs no coração*K*

Anônimo disse...

...ser avós-pais é uma dádiva, sermos netos-filhos é maior ainda o presente da vida. Quando um avô-pai resolve partir deixa-nos duplamente órfãos, com um impressionante vazio de saudade. Preenchê-lo com o quê, se eles são insubstituíveis.Quando a vida dá com sobra, tira-nos em dobro deixando-nos a bancarrota da saudade.Isso, é ver a profundidade da relação, sentindo-a, mas não há como não ficarmos à margem da saudade amanhã. Parte da nossa história vai-se junto sem que queiramos nos desgarrar dela.

Patrícia Bracale disse...

As relações são o nosso combustível. E nos relacionar c/uma criança e o seu mundo é q/ nos faz acreditar na humanidade e lutar por um mundo melhor.
E o melhor começa nestas relações familiares...Ah como é fácil amar esses nossos seres adorados!