AGENDA CULTURAL

26.10.09

Páginas da vida

Marina Morato de Almeida
Hélio Consolaro

Esta mulher não estaria neste livro se não fosse esse croniqueiro o editor dele, porque foi uma heroína anônima, não há rua com seu nome. Se escrevo, devo isso a ela. Ela acreditou em mim, me corrigia, me estimulava.
Marina Morato de Almeida era uma mulher desquitada numa época que isso era um estigma. Não se submeteu ao marido alcoólatra, separou-se, mesmo sem saber o que fosse feminismo. Morava com a irmã casada com o Dr. Alcides Fagundes Chagas, Elisa de Almeida Chagas.
Marina era escriturária do Posto Experimental de Criação, a antiga fazenda do Estado, onde carroceiros, charreteiros e sitiantes traziam suas éguas para cruzarem com cavalos de raça. Lá, hoje, é o recinto de exposição Clibas de Almeida Prado, cuja avenida de acesso se chama Alcides Fagundes Chagas.
Tinha apenas uma filha, Mírian, de quem tinha muito orgulho por ser ela professora. Marina se foi para o além, logo depois que lancei o meu livro “Urubu Branco”, em cuja noite, na “Newtons Pizzaria”, esteve presente. A filha mora em Tupã. Se não me engano, chegou a ser delegada de ensino.
Marina Morato de Almeida foi por várias vezes da diretoria do Dispensário São Francisco de Assis, na rua Newton Prado, bairro Santana. Para lá, ela me levava para ajudá-la na escrituração da entidade.
Conheci-a porque meu pai cruzou certa vez com o Dr. Chagas (assim era chamado o zootecnista da fazenda do Estado: doutor), conversaram não sei o quê, então eu fui contratado para semanalmente lavar os cachorros pequineses das famílias. Cabeludos, precisava tirar os carrapatos à pinça.
Sabendo que eu tinha datilografia (máquina de escrever era o computador da época), então foi me passando algumas de suas tarefas de escriturária.
De repente, em 1963, eu já estava lá no escritório do Posto Experimental de Criança como office-boy, pago por ela, registrando a produção de leite das vacas guzerás. Em 1965, de tanto ela pedir ao Dr. Fernando Lima Pires em suas visitas, espécie de supervisor do Departamento de Produção Animal da Secretaria Estadual da Agricultura, fui contratado na categoria de “Pessoal para Obras”, como trabalhador braçal em 7/7/1965. Era funcionário público aos 16 anos, tendo Adhemar de Barros como governador. Saiu tudo no Diário Oficial.
Depois de aposentada, não sei se fazia isso às escondidas antes, deu para escrever poemas, crônicas. Como este croniqueiro já tinha certa fama regional, mandou pelo correio seus textos para apreciação, como se fosse uma iniciante. Os papéis se inverteram. Por ela, aprendi a fazer palavras cruzadas e conheci o dicionário do Aurélio.
Em 1997, quando a Droga Raia publicava uma coletânea de memórias autobiográficas de seus clientes da terceira idade: “Páginas da Vida”, ela rabiscou um conto “Com a faca na barriga”. Guardo-o como relíquia.
Marina Morato de Almeida não podia ficar ausente dessas páginas. Ela é uma das mulheres mais importantes da vida deste croniqueiro.

3 comentários:

Patrícia Bracale disse...

Como é bom reconhecer pessoas que participaram de nossas vidas como "ANJOS".
Ás vzs por um gesto apenas e já mudam o caminho de nossas vidas...

Marisa Mattos disse...

Pois é...só os "grandes" reconhecem aqueles que lhes abriram portas...O TEMPO É SENHOR DA RAZÃO!!!

HAMILTON BRITO... disse...

Rubem Braga disse: " é preciso esquecer os fatos,para que as essências apareçam"
Toda a família Consolaro , com certeza, é a essência que ficou.