AGENDA CULTURAL

26.3.10

Vida chinfrim



Arte de Simone Leite Gava - Araçatuba-SP

Hélio Consolaro

O caso Nardoni ressurge na mídia como se fosse aquele livro de leitura que abandonamos na cabeceira da cama. Nem imaginávamos que os personagens trabalhavam tanto enquanto permanecia fechado. Já estava escrito nas estrelas.


Peritos, advogados, juízes, promotores nos oferecem o ápice, a parte mais envolvente da narrativa, com prenúncio de desfecho. Quando o enredo fica muito atraente, naquela hora em que nem piscamos diante do filme, é porque o fim estará próximo.


Não dizemos sempre que nossa vida é um livro aberto? Mas nem sempre encontramos leitores para ele, fica como uma Bíblia de repartição pública. Nem sempre o outro se interessa por nossa história, e ele permanece fechado ou ninguém muda de página. A bela narrativa se encerra numa cova de cemitério.


Muitas pessoas têm histórias de pessoas normais, cujos dramas são vividos interiormente ou no seio de cada família que não dão espetáculo e nenhum glamur, então, ficam no anonimato. A multidão é uma coleção de histórias perdidas.


Não existe nada mais chato do que um relatório, uma sequência de fatos sem emoção alguma, uma história sem conflitos; e mais chata ainda é uma personagem feliz ou honesta. Os romances vivem cheios de bandidos, pessoas maldosas em sem caráter porque o enredo precisa se mover.


No teatro da vida, cada um recebe um script, um papel a ser exercido. Alguns nascem para ser magros, outros gordos. Apesar desse fatalismo, há espaço para o protagonismo: as máscaras, às vezes, são construídas por nós mesmos.


Judas Iscariotes estava escalado para fazer aquele papel, que foi aceito de pronto; senão a história de Jesus Cristo não ia ficar legal. Aí vem a pergunta: que papel, caro leitor, você faz na história? Vai aceitar a máscara que a sociedade lhe ofereceu?


A vida de cada um dá um livro. Sempre encontramos pessoas idosas dizendo:


- Minha vida dá um livro! Quero escrevê-lo.


Como nos sentimos o centro da nossa história e vivemos dramas interiores intensos e nos achamos a melhor das criaturas, imaginamos que ela encantaria multidões, daria um best-seller. Até pode dar se for bem contada, quer vidinha mais medíocre do que a de Bentinho e Capitu? Como o casal teve um Machado de Assis para contá-la, o livro Dom Casmurro virou um clássico.


O caso Nardoni tem muitas dobras, como aquela colcha amontoada sobre a cama. O bom escritor pode desfazer uma delas e escrever uma bela história, basta não ter o mesmo olhar preconceituoso de um repórter ou daquele cidadão que clama por justiça.


Estou tentando lhe dizer, caro leitor, que olhar para as estrelas, ter uma visão cósmica nos faz livrar da arrogância e perceber o grão de areia que somos neste universo, mas sem cada grão as dunas não existem. Somos nada e tudo. Não aceitar isso é o drama maior explorado pelas religiões.


O caso Nardoni não é o primeiro e não será o último crime, enquanto existir humanidade, ocorrerá. E pode até ser você, caro leitor, o próximo envolvido. Muitos crimes mais graves ficaram no anonimato, porque não tinha mídia na época ou os envolvidos eram pobres coitados.


A vida é tão sublime, mas tão chinfrim...

2 comentários:

jhamiltonbrito.blogspot.com disse...

A vida é um livro aberto, como são os blogs que nem os amigos visitam para falar que tá uma titica ou fazer qualquer observação. Alegam falta de tempo. Professor, Judas traiu porque quis, já havia o livre arbítrio naquele tempo. O desgraçado, sabe-se hoje, torcia para o palmeiras. Acho que a tal teoria hollística prega o falalismo e olha que já li um montão sobre.Não seria mais um modismo? Na linha da vida, cada um recebe um script: se é assim eu mudei o meu, senão estava lá na roça, como peão de boiada (acertei?) O senhor acha a vida um chinfrim, com esta vidona boa que o senhor tem? cacete, até no circ de soleil o senhor foi. Quanto aos Nardoni, com menos de quinze anos, estarão fora das grades,quem sabe para matarem um neto.

Leonardo Concon disse...

Pois é, amigo Consolaro. A vida pode ser chinfrim se formos chinfrins. Tudo depende de como olhamos, sentimos e executamos. Cada um tem, realmente, o seu papel. Para Judas, e até mesmo para um dublê de Jesus. Basta querer.
Saudades de vc e de Araçatuba.
Blog nota mil.
Tô com um Blog do Concon, mas voltado para portal de notícias de Olímpia, região e do que vier.
Abraços,

Leonardo Concon
Blog do Concon
www.leonardoconcon.com.br