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12.11.17

Preta Gil comemora 15 anos de carreira: levei muita porrada, mas eu resisti




Revista QUEM - 18/11/2017- POR DANILO SARAIVA; FOTOS: MARCOS ROSA

"A gente dá um monte de entrevistas e a chamada é sempre alguma coisa sobre meu peso", resmungou Preta Gil, assim que entrei em uma das salas da sede da Vevo, no Itaim Bibi, em São Paulo, onde ela recebeu a imprensa nos últimos dias para o lançamento do disco Todas as Cores. Ao contrário dos outros colegas jornalistas, que foram exclusivamente para falar do álbum - ou de seu corpo -, eu tinha combinado uma matéria de capa com Preta e o tema da minha entrevista seria seus 15 anos de carreira, celebrados em 2017. "Levei muita porrada, mas eu resisti", resumiu Preta, que sem dúvidas é uma das famosas brasileiras que mais apareceram nos portais de notícias nos últimos anos pelos mais diversos motivos.


Durante o gostoso bate-papo, eu mesmo percebi que fui espectador tanto dos ataques que ela sofreu, como de suas vitórias. Passando pela ascensão da Noite Preta, que reinaugurou o formato "festa com show" na noite gay do Brasil -- hoje quase um padrão. Falante, Preta só demonstra uma chateação: ter suas falas tiradas de contexto. Sendo assim, não haveria jeito mais sincero com ela do que apenas transcrever essa deliciosa conversa, que vai muito além do peso, da sexualidade e das supostas polêmicas.

Alerta de spoiler: podem gritar, berrar, mas ninguém vai impedir Preta Gil de continuar brilhando! 


Pra começar, preciso te dizer que achei o disco superpop e gostoso de ouvir. Você está feliz?
Muito, muito, muito!


Como foi gravar o clipe e ter esse reencontro com a sua madrinha Gal Costa?
Com o disco lançado, vamos agora divulgar o clipe de Vá se Benzer, que eu canto com ela. Essa música tem muita força e toda vez que eu escutava lembrava da minha madrinha. Eu nunca chamei ela pra gravar comigo nesses 15 anos de carreira. Aí, eu mandei pro Marcus Preto (diretor artístico de Gal) a faixa, mais pra ele ser um consultor e me dizer o que achava. Ele disse que a Gal ia amar, que era uma canção poderosa. Tomei coragem, mandei pra ela e ela amou.



Precisou dessa coragem? 
Quando você tem a Gal Costa de madrinha, fica pensando em várias maneiras de abordá-la para um trabalho, mesmo sendo próxima. Agora, imagina explicar pra ela que eu tinha que fazer um clipe? Ela falava: 'Minha filha, clipe você faz com a Pabllo Vittar' (risos). Mas eu queria eternizar esse momento. Eu cheguei com três malas na porta da casa dela aqui em São Paulo, com roupas pra ela experimentar. Foi muito engraçado. Ela disse: 'Não, eu não vou experimentar'. Mas eu, com meu jeitinho de filha, falei: 'Prove sim, eu quero que você fique linda'. Aí, ela topou e fez tudo. Eu prometi que seriam só 4 horas de filmagem. Quando eu vi, ela já tava há 6 horas no set, feliz, amarradona. Foi tão especial. Senti uma energia, um rebatismo, um novo fôlego.

Preta Gil (Foto: Marcos Rosa/ Ed.Globo)
Mas vocês eram mesmo tão próximas? 

Muito! A Gal foi a segunda mulher que me pegou no colo na vida. Ela me batizou na igreja, me viu andar, me viu falar. Ela é minha segunda mãe. Ao longo da minha vida inteira, ela me dava suporte, me levava pra comprar roupa, ao dentista, pros shows. Era uma mãe pra mim mesmo. Ela tinha esse prazer comigo e com Moreno (Veloso, filho de Caetano). A dinda sempre quis ser mãe, era um desejo muito forte nela. E ela tinha isso nos afilhados, eu e o Moreno. Então, a gente era grudado na barra da saia dela.

O que vocês faziam juntas?
Fim de semana, quando ela podia, ficava com a gente. Aquela coisa de madrinha que deixa fazer tudo. A gente morava em Ipanema e ela na Barra. Ela tinha uma casa enorme e uma piscina imensa com a boca dela, aquela do Gal Fatal, desenhada no piso. Eu morria de medo daquilo. Meus irmãos falavam que essa boca ia abrir e me comer, aí me empurravam na piscina. Tinha até uma brincadeira que quem tocasse primeiro na boca da Gal ganhava alguma coisa. E nessa mesma casa ela tinha um camarim com tudo dos shows, os figurinos... Eu entrava naquele camarim e saia que nem o ET naquela cena que ele usa peruca (risos). Sapato alto, resto de vestido. Eu fazia 'meus shows'. Ela falava: 'Vai começar o show da Preta'. E eu cantava as músicas dela. A Gal conta que eu, desde pequena, era muito tímida até uma fase e de repente, me soltei. Eu lembro dessa mudança na minha vida. Ela me levava pros shows. No final do show eu já cantava com ela. Isso foi se estendendo. Então, quando gravamos a música juntas, foi um flashback. É um rebatismo ela me amadrinhando mais uma vez.

Aliás, sua infância deve ter sido uma maluquice. Você cresceu com os nomes mais importantes da música brasileira, que por uma época foram as pessoas mais famosas do Brasil. Tinha noção disso?
Eu nunca tive, só depois de adulta, talvez na adolescência. Com seis meses eu fui pra Salvador. Voltei aos cinco anos pro Rio, no final dos anos 70. Nesta época, meu pai, minha madrinha e meu tio Caetano tiveram uma transição. Deixaram de ser os Tropicalistas e passaram a ser os reis do pop. Meu pai fazia show no Maracanãzinho para 20 mil pessoas, assim como a minha madrinha. Eu tento contar isso pras pessoas mais novas (de como aquilo era maluco). Muitos jovens não têm ideia. Olham a Gal, o meu pai, e não têm noção que eles eram a Ivete Sangalo, a Anitta daquela época.

Sua infância foi normal dentro dessa "realidade"? 
Foi uma infância maravilhosa. Assim, não dava pra andar com meu pai ou com minha madrinha na rua. Ela me levava pra comprar roupa - aliás, a Gal adorava fazer isso. Entrar era fácil, sair era um problema. Uma multidão na porta! Ela tinha segurança, chamavam mais seguranças, muitas vezes chamavam a polícia pra ajudar a gente a sair de uma loja. Eu achava o máximo. Não sabia que aquilo era ser um ídolo. Aquilo era a minha família. Aí, com 8, 9 anos, me lembro que minha mãe me levava ao médico e tocava a música Realce, do meu pai, na recepção. Era a música mais tocada na rádio. Eu sempre tive orgulho de ser filha deles - porque eu não sou só filha dele, mas de todos.

Você era fã deles? 
Eu amava o fato de meu pai ser um popstar. Eu presenteava minhas colegas e professoras com discos autografados. O LP de Realce, coisas da minha madrinha... Eu levava aos fins de semana pencas de discos pra ela e mandava ela assinar e dedicar pra tia fulana, tia beltrana. Eu amava esse troféu de ser a filha deles. Eu era fã incondicional, doente. Amei quando comecei a entender que eles eram queridos por muita gente..

Preta Gil (Foto: Marcos Rosa/ Ed.Globo)
Com esse disco você comemora também seus 15 anos de carreira. Quando você olha pra trás, o que vê? 

Anos de luta. Não surfei na onda da musicalidade ou da fama. Levei muita porrada, mas eu resisti. Eu digo que são 15 anos de resistência. Amadureci como mulher, como ser humano. Eu já comecei a carreira muito tarde, aos 29. E eu tenho muito orgulho de ter me reencontrado com meu dom, com meu talento, mesmo que tardiamente. Tive coragem de mudar minha vida totalmente aos 29 anos. Foi um momento muito delicado, muito crucial. Nesses 15 anos, tive que lutar diariamente pelo direito de ser eu mesma, ter as minhas opções, as minhas escolhas, a minha personalidade. Não é fácil, mas é muito mais prazeroso. Quando você vai rompendo com o preconceito, com barreiras, com paradigmas, vem a sensação de vitória. Hoje eu olho pra trás e vejo que abri espaço pra muita coisa, muita gente.
Mas ao mesmo tempo em que temos Maiara e Maraísa, Simone e Simaria, Marília Mendonça, Pabllo Vittar -- pessoas que vieram depois de você, mas bebem na sua fonte --, existe agora no Brasil um movimento bem conservador que está bloqueando esses avanços. Não te desaponta?

Essas pessoas sempre existiram. Eu digo isso porque quando lancei meu primeiro álbum e fiz a capa nua, eu vivia no mundo encantado da tropicália. Eu vivia numa bolha. Achava que todo mundo era feliz, livre e respeitava o próximo.
Preta Gil aspas (Foto:  )
Você tem certeza disso? Não é mais radical hoje? 

O problema é a visibilidade. No pós-ditadura todo mundo ficou com medo. A sociedade era conservadora, mas com o movimento de abertura ficou com medo de se expressar como racista, homofóbica. Achavam que não havia mais espaço pra isso. Os conservadores se guardavam, se restringiam a uma família, a uma conversa privada. Com a popularização da internet, você descobre que uma tia sua, que você não tinha ideia, é racista. Que um primo que foi criado na mesma família que você, do mesmo jeito que você, adora o Bolsonaro. E aí, você fica chocada, ainda mais quando vê que esse primo tem força nas redes e que pessoas concordam com ele. Do mesmo jeito que você tem sua turma e posta que adorou o disco da Liniker, ele tem a turma homofóbica dele. Isso não é novidade. A novidade é que elas estão podendo se expressar, estão se unindo e acham que o que eles pregam tem legitimidade. Honestamente, eu respeito, mas vou lutar. Têm coisas que não importam o partido, não importa a religião. Por isso, que eu estou aqui, na resistência.
Preta Gil (Foto: Marcos Rosa/ Ed.Globo)
Você lembra da primeira porrada que recebeu ao se expor como artista?

Foi a primeira entrevista que dei pro Fernando Luna, pra Trip (hoje Diretor Editorial da Editora Globo). Foi nitroglicerina pura. Eu tinha lançado o disco Prêt-à Porter, que eu aparecia nua, e falei pra ele que eu era bissexual. Meu pai era ministro da Cultura. Quando juntou, virou uma bomba atômica. Ele é um cara bacana, que comprou meu bagulho e na hora quis fazer uma matéria foda, comigo nua. Mas tinha aquele moralismo todo do público. Um moralismo de eu aparecer nua já na capa do disco, um preconceito velado por eu ser gorda e o preconceito do meu pai ser ministro. A capa do disco foi um pequeno barulho. Com essa entrevista da Trip, juntou tudo. Na época, tinha aquele programa do Leão Lobo. E ele falava: 'Preta Gil diz que é bissexual e que transou com não sei quem'. Eu dei pra mídia sensacionalista nota pra uma vida toda pelo simples fato de ter sido honesta. O que é que tem? Na época, ninguém se assumia, ninguém gordo posava nu. As mulheres eram enclausuradas dentro de seus medos. E eu era eu e eu queria me mostrar pro mundo. O cara me perguntava: 'Já transou com mulher'. Eu: 'Já, já transei'. Achando que aquilo era a coisa mais natural do mundo. Quando eu vi que aquilo não era natural, não era normal pra sociedade, foi porrada pra todo lado.

Ficou apavorada?
Apavorada! Ele foi muito honesto comigo, eu não estava preparada. Ele escreveu exatamente o que eu falei. Eu tinha uma inocência, uma ingenuidade louca de quem foi criada neste mundo perfeito. Eu tinha parentes e amigos gays que se amavam e isso era natural. Pessoas que fumavam maconha na minha casa. Era tudo muito natural. Quando eu vi que pras pessoas, pra mídia e pra sociedade isso era ser polêmico, eu tive que voltar dois passinhos na casinha, fiquei reclusa. Durou três dias. Eu nunca me esqueço. Eu precisei ler tudo o que estavam escrevendo a meu respeito pra eu me achar no meio disso tudo. A entrevista dele era uma cópia da gravação. Ele não deu uma chamada sensacionalista. Tudo foi eu que falei. E eu vi quem eu era lendo aquilo.

Mas nessa época sua família já estava mais do que acostumada com essa gestão de crise, digamos assim. O que eles fizeram?

"Deixa ela", eles disseram. Meu pai sempre foi 'cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é'. Ele olhou as fotos antes de eu lançar o disco e falou: 'Desnecessário'. Eu achei aquilo uma caretice. Disse: 'Pai, você está sendo careta'. Ele disse que estava só me protegendo. Ele é um homem mais vivido, já foi preso. Foi a primeira vez em que o vi no papel de pai preocupado. Aquele que te quer bem, que te protege. Na época, eu era rebelde, queria me mostrar, sair do armário e via aquilo como uma caretice. Mas não era, era um cuidado de um pai que sabia tudo o que eu ia suportar depois. Mas ele sempre deixou. E quando eu ia chorando pro colinho dele, ele me dava amor, me dava carinho. 'Calma filha, tá tudo certo, não tem nada de errado', ele dizia. Minha família em geral sempre me deu suporte, mas nunca ninguém me falou: 'Cala a boca, não faz'. Mas de fato, a sociedade não estava preparada pra Preta Gil.

E deu pra entender o recado?
Sim, claro. A volta disso tudo foi uma enxurrada de preconceito. E aí, nasceram os que amam e os que odeiam Preta Gil. E é claro que eu tenho mais apego pelos que me amam (risos). Os que me odeiam, eu acho graça. Foram os que não me compreenderam. E eles fazem parte dessa ala conservadora, careta, chata, que hoje tá aí pegando um corpo absurdo. O que me deixa feliz é que eu não estou mais só. Hoje tem muitas mulheres que dão a cara à tapa. Dizendo que ter cabelo cacheado é bom, dizendo que ser negra é orgulho, que ser gay, gordo, é orgulho. E eu estou na retaguarda apoiando todos esses movimentos.

Preta Gil aspas 2 (Foto:  )
Preta Gil (Foto: Marcos Rosa/ Ed.Globo)
Você se sentiu obrigada a abraçar essas bandeiras?

Eu nem abracei e não me sinto obrigada. Ao defender o direito de ser quem eu sou, fui defendendo várias causas. Eu tenho direito, sim, de ser gordinha, de ter autoestima. Por que toda gordinha tem que ter a cabeça fodida?
Tentava ser o padrão?

Eu tentei. No meio desses 15 anos, me lembro que fui fazer o programa Caixa Preta na Band com a Marlene Mattos e ela falou: 'Olha, TV é melhor emagrecer'. Eu nem era gorda nesta época! Quando ela me conheceu eu estava magra. Eu pesei 58 quilos, trinta menos do que eu tenho hoje. E ninguém lembra disso. Eu fiquei cinco anos magra, mas ninguém se lembra. Eu fiz várias revistas, fiz ensaios magra. Fui capa da Dieta Já, um pau de seca. E fiquei cinco anos infeliz, chata e gritando por causa de remédio pra emagrecer.

Mas sempre passou a imagem de superdecidida. 
Sempre tive personalidade forte, mas eu tive que receber essas porradas pra amadurecer. No começo da carreira então, eu me achava. Eu lancei numa quinta-feira o primeiro álbum e na sexta-feira teria uma coletiva, mas não rolou. Aí, no domingo recebi uma ligação do presidente da gravadora. 'A gente precisa que amanhã você esteja na gravadora às 10h porque todos os veículos querem te entrevistar'. Fiquei feliz, né? Achei que tinham amado o disco. Ingênua! (risos) Aí, atendendo aos jornalistas, vinha a pergunta: 'Oi Preta, tudo bem? Por que você fez a foto nua?'. Eu perguntava se tinham ouvido meu disco. Não tinham, claro. Eu desligava na cara e o pessoal da gravadora ficava desesperado (risos). Eu falava pra eles: 'Amor, eu lancei um disco, quero falar de música' (risos).

Você ganhou muito dinheiro na carreira musical?
Muito. Mas tudo vem do meu autoinvestimento. Quando eu estruturei a Noite Preta, eu não tinha essa visão comercial, só queria meu público perto. Aí, a gente começou a ver que aquilo dava pra render dinheiro se a gente se organizasse. Foi o que me deu suporte pra investir e reinvestir em mim mesma. Eu faço isso com todo dinheiro que ganho. Eu botei dinheiro no Bloco da Preta por sete anos. A gente não tinha patrocinador, era do meu bolso. Hoje eu tenho uma fábrica de esmaltes, um investimento meu que deu certo e é um sucesso. Investi no Bloco da Preta e consegui parcerias nos últimos três anos. Se eu quero fazer, eu mesma banco. Eu sei que se for bem feito eu tenho retorno.

Preta Gil (Foto: Marcos Rosa/ Ed.Globo)
Preta Gil (Foto: Marcos Rosa/ Ed.Globo)
Por quanto tempo você colheu as faixas e trabalhou no novo disco?

O faixa a faixa foi um ano, mas o processo todo começou há um ano e meio. O DJ Zé Pedro me procurou porque queria fazer um disco comigo no selo dele. Eu estava no meio de uma loucura de trabalho e falei que não conseguia parar. Mas você conhece o Zé Pedro, né? Ele vem: "Véia, você tem que parar, tem que fazer, se renovar".
Como ele te convenceu?

Eu tinha acabado de fazer uma faixa, Te Quero Baby, um experimento que fiz com o Batutinha (produtor). Eu tava muito apaixonada por ele e queria juntar os dois. O Batutinha mora no Rio, perto da minha casa. A gente fez a faixa nas madrugadas. Nós três fizemos um brainstorm, quase uma terapia de regressão. Ficamos horas no estúdio. E o Zé Pedro ficava contando pro Batutinha coisas que nem eu consigo ler a meu respeito. O que eu significava, o que eu tinha feito.
O conceito do disco de "todas as cores" surgiu depois ou veio antes?

Fomos nos encontrando nas madrugadas e fazendo. Aí, o Zé se afastou desse processo e eu comecei a fazer música por música, ligar pros meus amigos, parceiros, ver o que eu já tinha gravado e pedir músicas para compositores novos. As canções foram tomando um espaço de verdade no meu coração. Quando a gente se deu conta, tínhamos umas seis faixas, cada uma de um jeito: um carimbó, segundo você (risos), um axé, pagodão, sertanejo. E aí, veio o nome: Todas as Cores.
Preta Gil aspas (Foto:  )
Qual foi a parte mais sofrida?

Desapegar e entender o que gosto, em primeiro lugar. Esse pra mim é o primeiro critério pra escolher uma música. E depois pensar o que meu público poderia gostar, compreender, entender. Eu aprendi isso com meu pai. No meu primeiro disco, fiquei meses no estúdio. Ele falava: 'Você não vai acabar isso nunca? Tem uma hora em que você precisa desistir e falar acabou. Do contrário, sempre vai ter alguma coisa pra mexer'. Mas hoje, a gente tá numa geração de lançar singles e não álbuns. Eu tive que me bancar o tempo todo, mesmo sendo desestimulada.
Ainda fazem discos, mas não pra vender milhares de unidades, né?

Não, é pra contar uma história. É pros fãs. Eu tive que me acostumar com o fato de não existir mais disco físico. A gente fica sem dormir porque tem que descobrir novas maneiras de se conectar.
É questão de costume mesmo. Quando acabamos com a QUEM impressa, ficamos receosos de que o público não assimilaria, apesar de existir essa necessidade do mercado. Mas depois, foi muito bom, alcançamos mais gente, mais possibilidades...

Sim. A gravadora veio me dizer que não acreditava mais no disco físico. E aquilo foi um sofrimento para mim. Aí, descobrimos uma maneira de suprir isso. A gente vai fazer uma edição limitada, que só vai vender no meu e-commerce pra quem gosta, quem acredita, pra fã. É feito a mão, tem minha assinatura. Então quem quiser vai poder ter, mas não teremos vendas em lojas. No fim, sou minha maior patrocinadora. Têm coisas em que acredito e que só eu sou capaz de bancar.
Você tem falado com a atual prefeitura do Rio para viabilizar o Bloco da Preta, já que há rumores de que o Carnaval de rua vai deixar de existir?

Eu não sei como vai ser a cabeça do Crivella. Mas já estamos em negociação. A RioTur é muito bem administrada, eles têm uma consciência bem grande de que o Carnaval de rua é importante pra cidade e eles têm vontade de organizar um crescimento que, talvez, possa ficar sem controle. Se organizar, todo mundo fica feliz. Eu digo isso porque eu não tenho esse apego de lugar. Pra mim é lindo sair em Ipanema, mas é mais bonito que meu público tenha segurança. A prefeitura investe, mas a gente também investe pra isso.
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Preta Gil e a madrinha Gal Costa nos bastidores do clipe 'Vá se Benzer', segundo single do disco 'Todas as Cores' (Foto: Rafael Cusato/Brazil News)
Você é superativa nas redes sociais e adora dividir momentos do seu dia com seus fãs. A sua privacidade se mantém preservada neste cenário em que tudo é "postável" e o fã cobra isso?

Eu já divulgava meus shows e fazia promoções no Orkut numa época em que ninguém usava. Eu sempre tive essa conexão muito forte com a internet e entendi desde o primeiro momento que eu tinha um espaço para ser eu mesma, sem intermediários, sem pessoas tirando as coisas de contexto. Tive blog, Facebook, Twitter, fui muito forte lá. Mostro coisas da minha vida, mas é o que eu falo: Se eu faço 30 stories num dia, aquilo tem 15 segundos. Trinta vezes 15 não dá nem 10 minutos do meu dia, que tem 24 horas. Eu tenho todo o resto da minha vida preservada, é óbvio. Eu mostro o que eu quero e o que as pessoas vão gostar. Gosto de mostrar minha intimidade, minha neta, mas aquilo é uma pequena parte da minha vida. O resto tá guardado.
Podemos esperar um show autoral de 'Todas as Cores'?

Até o Carnaval eu não tenho nenhum dia de folga. Mas eu acho bom. Neste verão as pessoas vão digerindo o álbum. Vamos divulgar o Vá se Benzer com a Gal. Quando acabar tudo isso, eu tiro 15 dias de férias e março/abril a gente estreia um show novo pra rodar o Brasil inteiro, um presente pros meus fãs, com roteiro, figurino. Quero pegar todas as músicas que amo desses cinco álbuns que lancei e interpretar essas dez músicas do Todas as Cores. Nós vamos fazer shows em teatros, já que eu nunca tive essa coragem. Mas já fique sabendo que Baile e o Bloco não morrem. Vamos ter três shows rodando. 
Você é brava?

Sou. Mas a energia não tá no grito, está em saber cobrar as coisas certas das pessoas. Eu tenho noção de tudo, tudo na minha cabeça. Eu tenho uma orquestra pra reger e exijo deles o mesmo empenho que eu tenho. Tanto nos novos negócios como na minha carreira. E quando eu erro, pago um preço caro. Eu quero que eles aprendam. Eu não tô sendo dura porque é bonito, mas porque quero que as pessoas cresçam. Muita gente foi dura comigo na vida e eu só cresci.
Preta Gil (Foto: Marcos Rosa/ Ed.Globo)
Nesses 15 anos, qual foi a sua maior crise, fora a questão do "estar no padrão", mencionada anteriormente?

Eu não posso dizer que tive uma crise. Na minha carreira todos os dias tem leão para matar, mas tem gozo também. Não tem um dia em que são só flores. Eu tenho uma empresa, são 30 funcionários. É punk levar isso como empresária neste país que está numa crise. Tenho orgulho de não ter mandado nenhum funcionário embora. A produção cultural caiu muito e a gente tem que encontrar outras maneiras de trazer o público. As pessoas ficam sem grana pra entretenimento. Elas não podem cortar comida. Então, temos que criar atrativos. Eu consegui, no meio disso tudo, me alocar de uma maneira que tá todo mundo trabalhando. Entre 2010 e 2014 eu fazia 14 shows por mês. Teve um mês em que fiz 20. Eu fiquei doente. Hoje é uma média de 8. Óbvio, que chega agora nesse final de ano, vai pra 20. Mas eu tenho uma qualidade de vida maior, de dizer um não, saber o cliente certo. Na Noite Preta eu queria fazer tudo, abraçar o mundo. Mas crise, crise, eu não tive tempo pra ter.
E as alegrias?

Eu tive muitas, muitas, muitas felicidades. No fim de tudo, essas lutas se traduziram em conquistas. Cada pessoa de cara fechada que no final do show tá rindo é uma conquista. O Bloco é uma grande conquista, um orgulho de ter sido precursora do Carnaval de rua. Ter artistas que aconteceram e que eu pude apoiar. Quero ver cada vez mais talentos surgindo e vou estar sempre ao lado de artistas de que eu goste. É uma carreira de muitas alegrias. Todo dia é uma vitória.
Você acha que sua autoestima mudou ao longo desse tempo?

É diferente. Eu tinha uma autoestima muito elevada, até demais, só que eu era ingênua. Eu me achava linda, mesmo com meu peitinho (risos). Mas minha autoestima foi sofrendo um baque no começo da carreira pelo excesso de crítica e moralismo. Foi quando eu tentei me enquadrar no padrão e quando entendi que mesmo passando por essas nuances de ficar gostosa, essa não era eu. A minha busca hoje em dia é por saúde. Eu tenho dois joelhos operados, eu pulo por uma hora e quarenta nos shows, eu faço quatro shows por semana. Eu não posso brincar mais. Se eu faço pilates é porque eu preciso ter a coluna boa. Não é porque eu quero ter o corpo fitness. Você vai entendendo a vida de uma outra maneira. Hoje, eu tenho um pouco mais de Bela Gil na minha vida. Óbvio que eu como doce, como açúcar, mas tenho um pouquinho mais de consciência. E é pela saúde.
Ainda pretende engravidar em 2018? A Sol de Maria (neta de Preta) não supriu essa necessidade de ter mais um filho?

Muito pelo contrário. A Sol está aumentando ainda mais a vontade minha e do Rodrigo (Godoy, marido) de ter um filho. Eu vou ter, se Deus quiser. A gente trabalha bastante em cima disso. Eu espero que seja ano que vem, mesmo. Vai ser um ano bom, vou fazer shows em teatros, não vai ser problema estar com barrigão (risos).
Preta Gil aspas 2 (Foto:  )

Preta Gil (Foto: Marcos Rosa/ Ed.Globo)


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