AGENDA CULTURAL

17.12.06

Terno de camiseta

Hélio Consolaro

Um homem também chora/ Menina morena/ Também deseja colo/ palavras amenas/ Precisa de carinho/ Precisa de ternura/ Precisa de um abraço/ da própria candura
(Gonzaguinha)

Não escreverei sobre os olhos azuis que sempre perscrutaram as crônicas de Lúcia Piantino, nem descreverei o quintal da casa do poeta Tito Damazo, não viajarei para Ribeirão Preto, porque não quero concorrer com o saudosismo dos cronistas Geraldo da Costa e Silva e Lourival Amílton Lautenschläger. Ficarei por aqui mesmo, não irei para Pasárgada, sem fugas, porque o meu tempo é o agora.

Não sou gay, nem guerreiro. Tento, não sei se consigo, ser homem, viver minha masculinidade, buscando o mel que me falta no gênero feminino. Eu também tenho o direito à ternura. Quero ser terno e eterno, como escreveu Rubem Alves. Nego-me a ser máquina.

Já reivindiquei muitos direitos, fiz greve, fui preso, defendi os menos favorecidos, carrego as bandeiras dos direitos humanos e da mãe Terra, mas essa consciência do direito à ternura me chegou assim mais forte na envelhescência, numa época em que fazer passeata caiu de moda.

E também descobri, lendo o livro "O Direito à Ternura", de Luís Calos Restrepo, Editora Vozes, que esse direito não se arranca dos outros, nem se exige dos governos, mas de si mesmo, na dinâmica das relações humanas.

Eu, que costumo grifar durante a leitura as partes interessantes de um livro, me perdi nas palavras desse colombiano, porque tudo é interessante, não há o que destacar.

A própria política, matreira e guerreira, pode passar a ser pensada a partir da intimidade, fazendo a ligação entre o público e o privado.

Não é possível gritar "Cadê o meu queijo?" Ou escrever cartazes:

- Lula, cadê a minha ternura? Você a prometeu nas eleições!

- Serra, mande mais ternura no meu holerite de aposentado!

- Maluly, minha ternura está esburacada, sua obrigação é consertá-la!

Sabemos gritar, baixar normas, cumpra-se a disciplina. Exigimos que outro seja nosso escravo. Não queremos amigos sinceros, desejamos ser rodeados de serventes e puxa-sacos.

Quem deve ser terno sou eu. A partir desta postura, posso criar um mundo de relações menos competitivas, mais amorosas. E em termos de ternura, somos todos analfabetos, não sabemos nem nos acariciar.

Só dá para chorar, lamentar, espernear, porque a civilização onde nasci me fez tão duro, me educou com a pedra. Quem foi que me chamou de mimado e frouxo, quando fui terno?

Não há culpados, só agora estamos amadurecidos para descobrir isso. Aos poucos, descubro que o terno é uma farda, prefiro a camiseta.

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